Quantas vezes ao longo do ano refletimos sobre o verdadeiro sentido da vida, os motivos de estarmos trilhando o caminho que escolhemos, nossas relações ou a forma como enxergamos a nós mesmos e ao mundo?
É como dar uma pausa em tudo aquilo que nos move diante das tantas demandas atuais, do imediatismo e da correria do dia a dia – e nos agarrarmos à atenção plena, a fim de, como seres humanos pensantes, reconhecermos a nossa verdadeira natureza e encontrarmos o significado de propósito.
Muitos chamam isso de autoconhecimento, mas Jung, com as teorias que construiu na psicologia analítica, chamou de processo de individuação.
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O sentido da vida alinhado ao processo de individuação
A vida acontece de forma natural, como se fosse algo básico explicado pela famosa frase dos ciclos: “nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos.” Mas será que é só isso mesmo?
Primeiro, porque no meio de cada uma dessas etapas passamos por transformações que englobam não só a nossa vida externa, mas também a interna – onde a expansão da consciência se torna necessária para acessarmos conteúdos guardados, esquecidos ou reprimidos, além dos símbolos, arquétipos e demais representações que nos oferecem insumos para que o processo aconteça.
Para Carl Jung, existe um caminho a ser percorrido, no qual a pessoa se torna, a grosso modo, uma versão mais plena e integrada de si mesma. A esse caminho, ele deu o nome de processo de individuação, que busca uma harmonia entre os diferentes aspectos da psique – sejam eles conscientes ou inconscientes.
Dessa forma, é possível levar uma vida mais autêntica e tornar-se quem sempre foi. Parece bem simples ao ler essas palavras, mas a realidade é que a consciência torna tudo mais difícil, já que se desvia da base arquetípica instintual – interconexão entre os arquétipos (estruturas inatas do inconsciente coletivo) e os instintos (impulsos biológicos naturais que orientam nosso comportamento) –, mantendo oposição a ela.
O sentido da vida, nesse caso, vai para um lugar de integração, visto que a psique é constituída de duas metades incongruentes que, juntas, deveriam formar um todo. Muitas vezes, inclusive, pensamos que a consciência é capaz de assimilar o inconsciente, porém ele é algo que não conhecemos – e que se apresenta através de símbolos e arquétipos, conforme citado.
Mesmo que tenhamos acesso a esses materiais – muitas vezes através dos sonhos e seus conteúdos oníricos –, não quer dizer que somos capazes de penetrar nos recônditos do inconsciente.
Por isso, segundo Jung, a individuação é um processo dinâmico e permanente, além de possuir dois movimentos principais:
- Decompor o inconsciente por meio da análise – o separatio na alquimia: a separação analítica envolve se desprender das identidades que a pessoa criou com base em outras, de coisas externas e daquilo que está enraizado dentro de si mesmo. Esse processo de desapego ajuda a desenvolver uma consciência mais clara e reflexiva, como um espelho cristalino.
- Observar e ter atenção às imagens simbólicas que surgem do inconsciente coletivo: essas imagens aparecem em sonhos, na imaginação ativa – técnica desenvolvida por Jung – e em eventos que parecem coincidir de forma significativa – sincronicidades. Isso envolve a integração dos novos conteúdos do inconsciente à vida cotidiana e ao modo como a mente consciente funciona.
O processo de individuação engloba a necessidade de que sejamos capazes de desvendar os aspectos mais confusos e entrelaçados da nossa psique, fazendo com que se tornem mais claros.
É necessário uma espécie de confronto, além do distanciamento de certos traços do nosso caráter, permitindo que novos componentes da psique venham à tona, para que exista uma integração em um todo mais completo.
Falando assim, parece algo muito complexo para o entendimento consciente – e é mesmo –, por isso a psicologia junguiana nos apresenta um caminho para lidar com tais paradoxos, mantendo-os na consciência e compreendendo suas complexidades – não à toa, a abordagem teórica e clínica de Carl Jung é denominada de psicologia complexa ou psicologia profunda.
Principais etapas do processo de individuação
O princípio da individuação revela algo essencial sobre o ser humano: o impulso básico e natural de nos distinguirmos do que nos cerca. Esse movimento não é algo opcional, muito menos condicional e, para Jung, existem duas fases principais, a primeira e a segunda metade da vida – que começa por volta dos quarenta anos.
Sabe aquela famosa crise de meia-idade? Popularmente chamada assim, essa transição para um retorno de quem se é, ou seja, um retorno a si mesmo, é considerada como uma oportunidade para o “crescimento” psicológico. Dessa forma, antigos padrões podem ser deixados de lado, restabelecendo uma nova ordem, que cria espaço para um novo tipo de consciência.
Jung divide tal processo em duas etapas, com características distintas que podem ser vistas no esquema abaixo:
PRIMEIRA METADE DA VIDA | SEGUNDA METADE DA VIDA |
---|---|
Foco no desenvolvimento do ego e na construção de uma identidade sólida. | Foco do mundo externo para o interno, com integração de partes esquecidas ou reprimidas da psique. |
Consolidação dos papéis sociais e formação de família, além do estabelecimento de carreira. | Existe um questionamento sobre o propósito da vida, além de uma revisitação ao significado de escolhas e valores – pode gerar uma crise existencial. |
Adaptação ao mundo exterior, com um esforço gerado para atender demandas e expectativas sociais, familiares e culturais. | Pode haver uma manifestação de elementos como sombras, arquétipos e aspectos inconscientes para que sejam reconhecidos e incorporados. |
Pode haver repressão de aspectos inconscientes, gerando um afastamento das partes mais profundas do Self. | Passa a existir um movimento em direção à harmonia entre o Self e o ego, permitindo assim uma vida mais autêntica. |
Desenvolvimento de uma personalidade consciente, que garante autonomia e independência. | O foco se desloca de conquistas externas para a realização interna e espiritual, redefinindo as prioridades. |
Embora grande parte das pessoas ignore esse processo, reprimindo e não admitindo a transição, ele acontece durante toda a vida dos seres humanos, sendo uma obra contínua que nunca chega ao fim – ou seja, não existe uma conclusão.
Uma das palestras de Jung, de 1916, traz a seguinte afirmação sobre a individuação: “é um princípio que possibilita, e se necessário determina, a diferenciação progressiva com relação à psique coletiva”.
Mas é óbvio que para entendermos tal conceito – bem como todos os outros conceitos, teorias e terminologias utilizadas por Jung – é necessário um aprofundamento em sua obra e a Casa do Saber disponibiliza cursos que auxiliam o público nesta missão.
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Conteúdos que podem auxiliar na busca do sentido da vida
Para começar, vale reforçar que a psicologia – não só a analítica – nos exige constante pesquisa, estudo, esforço e atualização. Isso pode se dar através de cursos livres, formações, leitura de livros, artigos etc.
Dentro do tema abordado neste texto, podemos apresentar algumas obras de Jung, como:
- Septem Sermones ad Mortuos [Sete Sermões aos Mortos]: onde aparece uma das primeiras ocorrências do termo individuação.
- Memórias, Sonhos, Reflexões: em que descreve os anos de “confronto com o inconsciente”.
- O Livro Vermelho – uma leitura mais avançada (não que as anteriores não sejam): onde se encontram os resultados do período do livro anterior.
Também podemos citar autores como Murray Stein, e seu livro “Jung e o caminho da individuação”; mesmo autor de “Jung, o mapa da alma”; bem como “Alquimia e a imaginação ativa”, escrito pela famosa Marie-Louise Von Franz.
Complementando, Tatiana Paranaguá, professora da Casa do Saber, nos oferece uma excelente explanação a respeito de quatro livros para compreender aspectos dos pensamentos de Carl Jung, sua personalidade e a construção de uma psicologia profunda que atua de forma ampla e complexa. As obras possuem estilos distintos, tendo sido escritas pelo próprio Jung, servindo como um importante ponto de partida para a compreensão de tudo o que dissemos até aqui, como também para o que você ainda irá estudar e consultar ao longo do seu desenvolvimento profissional e pessoal.
Como aprender com os cursos da Casa do Saber
A Casa do Saber possui uma curadoria que tem como objetivo oferecer conteúdos que agreguem valor não só às pesquisas, como também na formação dos seres humanos como um todo. Por isso, opta não só pelos clássicos, mas engloba pensadores contemporâneos e temas acessíveis e aplicáveis ao cotidiano individual e coletivo.
Se você já é assinante e busca por conteúdos que tenham a ver com a sua área de atuação, basta clicar em “explorar cursos” para ter uma visão geral do que é apresentado na plataforma – onde cada um deles é dividido em setores autoexplicativos.
Dica:
Caso queira realizar uma pesquisa específica, basta clicar no símbolo da lupa e digitar seu interesse, sendo assim, a plataforma irá apresentar todos os cursos que estejam alinhados à palavra-chave em questão – são mais de seiscentas horas em aulas sobre diversas áreas do conhecimento!
Você também pode buscar pelos professores, seguindo o mesmo padrão – clicando em “nossos professores” ou pesquisando pela lupa que se encontra no canto superior direito.
Para os não assinantes, a chance é agora, pois a Casa do Saber oferece sete dias de acesso gratuito para que seja possível navegar pela plataforma a fim de conhecer cursos, professores e todas as aulas disponíveis.
Os cursos, inclusive, são divididos em aulas com títulos específicos, organizados de acordo com o tema abordado. Isso facilita para o aluno que deseja assistir a módulos separados para complementar algum estudo. Quer uma dica de ouro? Faça anotações separando cursos e aulas; assim, quando precisar pesquisar novamente, escrever um artigo acadêmico ou preparar um trabalho para a faculdade, saberá exatamente onde encontrar o conteúdo para citá-lo.
Agora que já falamos sobre como realizar suas pesquisas dentro da plataforma, que tal explorar o tema da individuação e do sentido da vida com novas perspectivas e olhares?
Filosofia e pensamento contemporâneo, como encontrar significado aqui agora
Agora que você já sabe como explorar os conteúdos da Casa do Saber, é essencial incorporar também perspectivas de pensadores contemporâneos, enriquecendo o olhar singular de Jung.
Um excelente exemplo é Contardo Calligaris, que em seu curso “O Sentido da Vida”, nos convida a refletir sobre respostas automáticas, como à habitual pergunta “está tudo bem?”. Ele destaca como essa interação frequentemente revela um comportamento inconsciente, já que, na maioria das vezes, respondemos “sim” – mesmo quando não estamos bem.
Isso porque o desejo de evitar desconfortos e a incapacidade de lidar com respostas sinceras podem revelar uma espécie de desconexão entre o eu consciente e os conteúdos mais profundos da psique – podendo ser considerado como um reflexo do hábito de reprimir emoções e pensamentos que não se alinham com a expectativa social de otimismo que nos cerca atualmente – a famosa positividade tóxica –, prejudicando, muitas vezes, a autenticidade das relações humanas.
A conexão entre o inconsciente e o consciente está diretamente ligada à busca por propósito e significado, aspectos fundamentais da jornada humana – que, como vimos anteriormente, Jung denomina de processo de individuação.
Dessa forma, também podemos citar algumas falas de Kaká Werá, que nos traz o poder criador – muito ligado ao exercício da liberdade criadora – como um reflexo de uma possível integração: ao transformar experiências passadas em novas possibilidades, o indivíduo se torna agente de sua própria existência. Essa transformação ocorre no presente, onde o mundo do alto (transcendência), o mundo do meio (vida organizada) e o mundo de baixo (tempo e matéria) convergem, segundo a tradição Tupi.
É necessário que possamos ampliar a forma como estudamos a psicologia – não só a analítica –, uma vez que a atualidade nos demanda olhares variados. Por isso, aqui citamos também Renato Nogueira, que apresenta um olhar sensível sobre como o amor e a infância desempenham papéis essenciais nessa jornada da individuação.
Em seu curso “Qual é o sentido da vida”, ele traz o amor, descrito por Fromm e Reich, como sendo uma força que equilibra e conecta o indivíduo ao mundo, promovendo autoconhecimento e vínculo. A infância, com sua confiança inata e potência criadora, é o estado em que a relação com a vida é mais pura e autêntica. Resgatar essa energia vital, mesmo na vida adulta – e na velhice –, é um exercício de resistência ao esvaziamento do sentido.
Jung também afirma que o envelhecimento não deve ser temido, mas sim encarado como uma oportunidade de refinar e expandir a consciência. E Renato traz o pensamento de Marco Túlio Cícero, que reforça essa ideia ao destacar que a experiência acumulada ao longo da vida nos permite encontrar propósito e gratidão. Esse processo não significa apenas olhar para o passado, mas reconfigurar nossa relação com o tempo, reconhecendo que o futuro é moldado pela qualidade de nossa vivência no presente.
Para finalizar todo esse apanhado, vale dizer que a integração da consciência e do inconsciente nos dá a capacidade de acessar o nosso potencial criador e explorar o desconhecido. Como Jung sugere, essa integração nos conduz ao máximo desenvolvimento da consciência humana, permitindo que transcendamos as limitações impostas pelo tempo e pelo espaço. E, ao abordarmos este tema, é indispensável mencionar Viktor Frankl, criador da Logoterapia, que fundamentou toda a sua abordagem na busca pelo sentido da vida. Para Frankl, a vida nos apresenta constantemente uma pergunta: "O que faremos dela?"
Referências bibliográficas
JUNG, Carl Gustav. Sobre sonhos e transformações. Petrópolis: Vozes, 2014.
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2017.
STEIN, Murray. Jung e o caminho da individuação. São Paulo: Cultrix, 20015.
STEIN, Murray. Jung, o mapa da alma. São Paulo: Cultrix, 2006.
VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia e a imaginação ativa. São Paulo: Cultrix, 2022.