Psicologia

O que é felicidade sob a ótica da psicologia positiva

O que é felicidade sob a ótica da psicologia positiva
O que é felicidade sob a ótica da psicologia positiva
Ella Barruzzi
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E se, no texto de hoje, a gente te propuser um desafio: tirar um tempo para refletir a respeito da sua felicidade? Atualmente, a maioria das pessoas corre de maneira desenfreada sem se dar conta do que está se passando ao redor – e dentro – delas. E a incessante busca do que é felicidade acaba sendo colocada como um objetivo a ser alcançado – ou um item a ser comprado. Mas a psicologia positiva tem outra ideia sobre esse tipo de fato e, dentro desse cenário, a pergunta que fica é: “o que é felicidade para você?”.

Segundo Luiz Hanns, em seu curso “A tal da felicidade: a busca de uma vida mais plena”, essa busca pela felicidade é recente, indo contra a ideia de que é algo inerente ao ser humano.

Isso porque, em tempos passados, existiam algumas hierarquias de metas da vida, onde a felicidade estava amplamente ligada a cumprir ciclos, como casar, ter filhos, estudo e um bom emprego, por exemplo. Mas, e agora?



O impacto da psicologia positiva na história da psicologia

Nos Estados Unidos, e em outros países da língua inglesa, estamos acostumados à associação da palavra happiness – que significa aquilo que acontece –, partindo do pressuposto de que se coisas boas ocorrem, nós estamos felizes.

O termo caminha lado a lado ao que se percebia como a verdadeira felicidade, que era ter segurança, saúde, fartura, o direito de ir e vir, além da cidadania (não que isso também não seja fundamental hoje em dia – a pirâmide de Maslow que nos diga).

Antes da Segunda Guerra Mundial, a psicologia tinha três objetivos principais: tratar transtornos mentais, promover uma vida mais satisfatória e plena para as pessoas, reconhecer e estimular talentos.

No entanto, após o conflito, passou a concentrar-se quase exclusivamente na pesquisa e no tratamento das doenças mentais, deixando um pouco de lado a valorização das qualidades e potenciais humanos.

O contexto histórico desse período teve um impacto significativo nessa mudança de foco, resultando em uma menor atenção ao estudo das virtudes humanas ao longo da segunda metade do século XX.



Pode-se dizer que em anos não tão antigos assim, a sociedade era menos acometida por diagnósticos e sintomas como depressão, melancolia, frustração e estresse. Talvez – aqui é uma especulação – pelo fato de existirem tantas “certezas” sobre os processos e trajetos pelos quais a vida iria passar.

Como dito anteriormente, a psicologia tinha – e ainda tem em algumas vertentes – foco em patologias, com abordagens variadas que costumam enfatizar a angústia do ser humano, esquecendo da ideia de vocação para a felicidade.

O conceito de felicidade que conhecemos hoje é bastante recente, tendo sido “criado” por volta de 1960, onde a alegria de viver era muito mais do que trabalhar duramente, tendo um sentido voltado à capacidade das pessoas conseguirem usufruir das coisas, derivando assim de condições internas.

Foi então que, através de Martin Seligman, surgiu a psicologia positiva, uma das linhas da psicologia que trabalhamos até os dias atuais. Martin – um dos fundadores – e outros teóricos se dedicaram a estudos sistemáticos da felicidade, onde olhavam para os pacientes de forma a encontrar o bem-estar, como ele se definia e como se promovia.

Imagem gerada por inteligência artificial. Jovem adulto de cabelos castanhos e enorme sorriso, usa blusa branca. Ao fundo uma parede colorida e em toda a imagem respingos de tinta.

Felicidade não é euforia, é satisfação consigo mesmo e com a vida

Não existe uma forma de explicar o que é felicidade – ou como ela se apresenta para cada um de nós –, pois existem fatores que precisam estar alinhados e em congruência, facilitando o acesso a esse estado “de ser feliz”.

As escolhas de vida dos seres humanos não são pautadas apenas na busca pela felicidade, visto que existem objetivos diversos – separados em cinco pela psicologia positiva:

  • Felicidade.
  • Relacionamentos.
  • Propósito.
  • Engajamento.
  • Realizações.


Em uma curva de análise considerada como normal, cerca de 60% da felicidade de uma pessoa depende de genética, epigenética e condições biológicas – o que é um número bastante alto. Outra parte depende das condições de nascimento do indivíduo, como a cultura em que está inserido, por exemplo.

Ao longo da vida, também existem picos de felicidade, que variam de acordo com a idade – 12 a 18 anos, com picos de bem-estar; 20 a 40 anos, com picos de ansiedade; e de 50 anos em diante pode-se observar uma melhoria.

Dito isso, para uma outra parte ainda maior, a sensação de bem-estar é fruto de uma aprendizagem, sendo adquirida ao longo da trajetória do viver. Porém, pensar em tudo isso pode nos levar a uma ideia de um projeto ingênuo de felicidade e, como Hanns traz em seu curso – o qual falamos na introdução deste texto – queremos lidar com um ideal de felicidade realista, mas temos quatro obstáculos:

  1. A vida, em essência, é um estresse. Existe um esforço feito contra o meio ambiente, o próprio organismo está em luta a todo momento, inclusive contra a morte. A harmonia que imaginamos – e almejamos – não é dada estruturalmente, é uma vida tensionada e vocacionada para a luta.
  2. Existe uma dualidade, onde o princípio do prazer nos guia e nos indica para onde ir, como se fosse uma bússola para a felicidade – teoria amplamente discutida por Freud. Dessa forma, o prazer pode ser considerado como um alívio de tensão e o princípio da realidade se opõe ao princípio do prazer – onde precisamos conter o impulso perante aquilo que desejamos.
  3. Muitas das coisas que acontecem ao longo da vida conspiram contra a felicidade, sendo acumuladas a cada minuto. Como seres humanos, possuímos a capacidade única da consciência reflexiva, o que nos permite atribuir significado às nossas vivências e desenvolver resiliência emocional – ou não.
  4. As relações humanas são naturalmente complexas, pois envolvem indivíduos com histórias, perspectivas e desejos distintos. Essa complexidade se manifesta em uma constante negociação entre o que queremos e o que o outro deseja.


Dessa forma, é necessário que tenhamos uma observação detalhada de cada um desses itens, a fim de construir uma vida que valha a pena – para si mesmo. O que nos leva a outro ponto crucial dentro do conceito da psicologia positiva: o ajuste da congruência de seis elementos fundamentais.

Imagem gerada por inteligência artificial. Jovem adulto, à esquerda da imagem, de cabelos castanhos e enorme sorriso, usa blusa branca. À direita, uma jovem adulta, também de sorriso largo, usa regata azul. Ao fundo uma parede colorida e em toda a imagem respingos de tinta.

A arte de viver leva tempo

Ter apenas uma ação positiva não vai fazer com que suas relações saiam do zero e atinjam altos patamares de plenitude. É preciso elaborar certos fundamentos para que as análises sejam profundas e quase precisas – porque nada é perfeito quando se trata de viver, até porque, sempre que achamos estar no caminho da felicidade, algo extra – melhor ou pior – aparece, fazendo com que esse querer nunca cesse.

Existem forças humanas que desempenham um papel importante na proteção contra a doença mental, são elas: coragem, foco no futuro, esperança, otimismo, competências interpessoais, fé, trabalho ético, honestidade, a capacidade de “flow” e de compreensão, além de perseverança.

Essa abordagem enfatiza e potencializa os aspectos positivos dos clientes, sem ignorar seu sofrimento, utilizando essas qualidades como ferramentas para o processo de terapia.

Sendo assim, a psicoterapia positiva propõe uma transição gradual para um equilíbrio no foco terapêutico, indo além das fragilidades e dificuldades. Em vez de apenas tratar o sofrimento psicológico, busca compreendê-lo de forma mais ampla, incentivando o uso dos próprios recursos – tanto internos quanto interpessoais – para enfrentar os desafios apresentados pela vida.



Ao reconhecer suas forças, desenvolver habilidades para cultivar emoções positivas, fortalecer conexões interpessoais e encontrar propósito e significado, é possível experimentar um processo terapêutico mais motivador, fortalecedor e transformador.

O propósito central da psicologia positiva é ensinar estratégias concretas e aplicáveis que ajudem cada pessoa a usar suas potencialidades para construir uma vida mais engajada, satisfatória e plena.

Com essa abordagem, o papel do terapeuta se expande: ele deixa de ser apenas um especialista que identifica déficits e passa a atuar ativamente como um facilitador do crescimento, da resiliência e do bem-estar.

Para isso, também precisamos olhar para as seis competências e aptidões que cada pessoa possui, fortalecendo a congruência de fatores específicos que poderão levar à felicidade (para maior compreensão do tema conferir a imagem na sequência).

  1. Interesse, entusiasmo em experimentar – flow. O "flow" é um estado de imersão total e entusiasmo por atividades que desafiam habilidades, promovendo prazer, aprendizado e criatividade. Pessoas que buscam novas experiências tendem a viver mais plenamente e se tornam mais resilientes. No entanto, é importante equilibrar esse entusiasmo com a reflexão sobre os riscos e consequências para evitar a superficialidade e manter o foco.
  2. Desejo por autonomia, independência e o fazer por conta própria. É necessária uma postura proativa perante o que a vida traz. Aqueles que não possuem esse tipo de competência tendem a entrar em um esquema de dependência.
  3. Habilidade interpessoal, empatia, traquejo, senso diplomático. As pessoas que não possuem esses tipos de aptidões, muitas vezes, podem engolir muito sapo e serem extremamente confrontantes.
  4. Relação com o erro e a garra. É preciso saber admitir os erros cometidos, além de ter força de vontade para fazer – e fazer diferente. Indivíduos que possuem tais características em excesso podem se tornar obsessivos.
  5. Frustração e flexibilidade. Saber gerir momentos de frustração, independente do grau, levam o indivíduo ao outro item, que é a flexibilidade, em que é possível se adaptar ao meio e ao que acontece nele. O excesso acaba levando a não se ter metas consistentes.
  6. Planejamento e execução. É interessante conter o impulso e o desejo para que a vida seja mais satisfatória, onde é possível garantir um prazer futuro melhor estruturado. Em excesso, tais características deixam a vida sem graça e tira a capacidade de que a pessoa usufrua dela.


Já no caso da congruência, conforme mencionado, seguimos um fluxo de itens que precisam de certo equilíbrio, são eles:

slide sobre congruência, software e aprendizagem

Retirado do curso “A tal da felicidade: a busca de uma vida mais plena”, de Luiz Hanns.


Logo, de acordo com o pai da psicologia positiva, Martin Seligman, o entendimento das forças e virtudes humanas pode promover o "florescimento" das pessoas, comunidades e instituições.

Quer saber como funciona na prática? Aprenda com o curso “Psicoterapia contemporânea: por uma integração transteórica de diversas práticas e teorias

thumb do curso 'Psicoterapia contemporânea', por Luiz Hanns


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Identificando e organizando as forças e virtudes rumo à felicidade

O “florescimento” falado acima é visto como o desenvolvimento completo, saudável e positivo dos aspectos psicológicos, biológicos e sociais dos seres humanos. Com isso, os estudiosos criaram um manual para classificar as forças de caráter e virtudes – CSV (Character, Strengths and Virtues) –, voltado para o bem-estar psicológico, de forma análoga ao manual que existe para classificar as desordens mentais – DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders).

O objetivo desse manual foi identificar e organizar as forças e virtudes que ajudam as pessoas a alcançar seu pleno potencial. Ele contém uma lista de 24 forças de caráter, organizadas em 6 virtudes principais.

VIRTUDES E FORÇAS QUE A INTEGRAM DEFINIÇÃO
1. Sabedoria e conhecimento

Forças cognitivas que se relacionam com a aquisição e o uso do conhecimento.

Criatividade Pensar numa maneira nova e produtiva de fazer as coisas.
Curiosidade Ter interesse por todas as experiências e acontecimentos.
Originalidade Pensar nas coisas através e examinando todas as perspectivas.
Gosto pela aprendizagem Dominar novas competências, assuntos e corpos de conhecimento.
Empatia Ser capaz de dar conselhos apropriados aos outros.
2. Coragem

Forças emocionais que envolvem o exercício da vontade para atingir metas, face à oposição interna ou externa.

Autenticidade Falar a verdade e apresentar-se de uma forma genuína.
Ousadia Não evitar desafios, dificuldades ou sofrimentos.
Persistência Terminar o que começou.
Entusiasmo Enfrentar a vida com entusiasmo e energia.
3. Bondade

Forças interpessoais que envolvem colaborar e apoiar os outros. Prestar favores e praticar boas ações.

Amor Valorizar as relações próximas com os outros.
Inteligência social Estar consciente das suas motivações e sentimentos e das dos outros.
4. Justiça *
Equidade Tratar todas as pessoas de forma igual de acordo com as noções de lealdade e justiça.
Liderança Organizar atividades de grupo e certificar-se que elas se realizam.
Trabalho em equipe Trabalhar bem enquanto membro de um grupo ou equipe.
5. Moderação Forças que protegem contra os excessos.
Perdão Perdoar aqueles que fizeram algo de errado.
Modéstia *
Prudência Ter cuidado com as escolhas: não dizer nem fazer coisas de que se possa arrepender depois.
Autocontrole Controlar o que diz e sente.
6. Transcendência *
Apreciar a beleza e a excelência Ver e apreciar a beleza, a excelência e/ou desempenhos excelentes em todos os domínios da vida.
Gratidão Estar consciente e agradecido pelas coisas boas que acontecem.
Esperança Esperar o melhor e trabalhar no sentido de o alcançar.
Humor Gostar de rir e gracejar; fazendo com que os outros sorriam.
Religiosidade Ter crenças coerentes acerca do alto propósito e significado da vida.


Todo o quadro e seu conteúdo foram retirados do material referente à Martin Seligman: “Todo mundo pode florescer”, na reportagem por Letícia Sorg. Fonte: Revista ÉPOCA online, 20 de maio de 2011. *Os itens que constam sem explicação, também estavam em branco no quadro original.

O avanço da psicologia positiva pode ajudar a prevenir diversas desordens emocionais. Além disso, pode favorecer a saúde física, fortalecer indivíduos sem transtornos psicológicos, aumentar sua produtividade e contribuir para o desenvolvimento pleno de seu potencial.

Então, para que serve o psicólogo?

O que é psicologia positiva, sem um psicólogo que desempenha um papel fundamental ao ajudar as pessoas a reconhecerem e cultivarem suas emoções positivas, fortalecendo a resiliência e descobrindo um sentido mais profundo de propósito e satisfação? Nada. Seu trabalho vai além do tratamento de transtornos, ampliando as possibilidades de alcançar o bem-estar e a qualidade de vida.

Para isso, a escuta ativa e uma visão holística são essenciais, considerando os diversos aspectos que influenciam a experiência humana. Dessa forma, os indivíduos tornam-se mais conscientes e preparados para tomar decisões alinhadas aos seus valores e objetivos de vida, trilhando um caminho mais autêntico rumo à felicidade.

Afinal, todas as áreas da vida — desde as relações conjugais, amizades e sexualidade até o trabalho, a criação dos filhos e os desafios da jornada — envolvem potencialidades, virtudes, temperamentos e fatores individuais que moldam nossa existência.




Referências bibliográficas

SELIGMAN, Martin E. P. Felicidade autêntica – usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

SELIGMAN, Martin E. P. Todo mundo pode florescer. Reportagem por Letícia Sorg Fonte: Revista ÉPOCA online, 20 de maio de 2011.

SELIGMAN, Martin E. P; RASHID Tayyab. Psicoterapia positiva - manual do terapeuta. Porto Alegre: Artmed, 2019.

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