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Thomas Hobbes

Thomas Hobbes
Guilherme Peres

Thomas Hobbes nasceu em Malmesbury, no sul do Reino Unido, em 1588. Os anos finais do século 16 foram conturbados na terra natal de Hobbes, para dizer o mínimo.

Um ano antes, as tensões da Inglaterra com os países do entorno europeu anunciavam seu auge, com a ordem de Elizabeth 1ª para que fosse executada Maria Stuart, rainha da Escócia.

Quem foi Thomas Hobbes e em qual contexto histórico viveu?

Para além de uma representação do embate entre a crescente influência do protestantismo inglês na Europa e o movimento da contrarreforma católica, havia também consequências políticas em jogo.

A Invencível Armada espanhola, com a intenção de enfraquecer o apoio inglês às revoltas nos Países Baixos, decidiu atacar a Inglaterra, que apoiava as rebeliões tanto com o envio de tropas, quanto financeiramente por meio das incursões de corsários ao redor dos mares - Francis Drake talvez seja o mais notável deles. Para o catolicismo europeu e a sobrevivência financeira da dinastia de Filipe 2º, era fundamental que o reino inglês fosse derrotado.

Diz a história que a ameaça iminente dos canhões da Armada fez com que a mãe de Thomas Hobbes entrasse em trabalho de parto. Em seu poema Vita Carmine Expressa, Hobbes escreveu que sua querida mãe “deu à luz gêmeos de uma só vez, eu e o medo”. Essa é a tônica da obra e pensamento de Hobbes.

Suas relações com a nobreza inglesa não terminaram na influência das disputas entre Stuarts e Tudors. A educação e erudição de Hobbes desde a infância chamaram a atenção da família Cavendish. Ainda na primeira década do século 17, Hobbes se tornou tutor dos duques de Devonshire por duas gerações, viajando pela Europa, quando teve contato com o pensamento de figuras como Francis Bacon, René Descartes e Galileu Galilei.

Hobbes ficou fascinado pela teoria física do movimento e do impulso e passou a conceber um sistema de pensamento ao qual dedicaria toda a sua vida, composto por três volumes.

O primeiro, De Corpore, uma doutrina sistemática sobre o corpo, demonstrando como os fenômenos físicos poderiam ser universalmente explicados em termos de movimento, conforme era entendido na época.

O segundo, De Homine, diferenciando o ser humano do restante da Natureza e das plantas, descreveria quais movimentos corporais específicos contribuíam para os fenômenos de sensação, conhecimento, afetos e paixões que conectam os seres humanos entre si.

E, por fim, De Cive, que versaria sobre os homens como cidadãos, como os indivíduos se organizavam em sociedade, argumentando sobre a necessidade de regulamentação para evitar um retorno à "brutalidade e miséria". Assim, ele buscou unificar os fenômenos distintos do Corpo, do Homem e do Estado.

Thomas Hobbes, autor de “Leviatã”, pensador do contrato social

Hobbes retornou à Inglaterra apenas depois que Carlos 1º foi deposto e morto, em decorrência da Guerra Civil instaurada após mais de uma década de tensões entre parlamentaristas, liderados por Oliver Cromwell, e aqueles a favor da monarquia. Em função da situação conturbada do país, ele julgou conveniente inverter a ordem com que contava organizar suas reflexões e começou a escrever sobre a sociedade, publicando Do Cidadão (1642) e Leviatã (1651).

Segundo Hobbes, a guerra civil enfrentada pela Inglaterra tinha sua causa, principalmente, no clero, que, alegando ter acesso à palavra de Deus, possuía poder maior que o dos reis – assim, seria importante coibir o poder do clero. Hobbes defendeu a ideia de que o Estado soberano possuía o direito de reprimir revoltas através da violência, mas, ao poder da espada, deveria unir-se o poder das palavras: Hobbes foi, assim, um dos primeiros filósofos a atentar para o poder da linguagem.

Para Hobbes, a linguagem possuía, principalmente, duas funções: a primeira delas, a mnemônica: uma vez que a linguagem não se refere às coisas em si, mas à sua representação mental, sua função principal seria a de memória. A segunda delas, a da comunicação, que pode apresentar inúmeros problemas: é Hobbes quem introduz na linguagem determinado grau de erro.

O fato de Hobbes defender um Estado absoluto provinha de sua crença de que o homem, por natureza, vive em estado de guerra se não houver uma instância superior para ditar as regras sociais. Para ele, é necessário um poder comum que seja capaz de fazer as pessoas respeitarem umas às outras – e a expressão mais direta deste poder seria a força, mas ele também poderia se manifestar através da interiorização das normas de controle social defendidas pelo Estado.

Sem um poder controlador, viveríamos, segundo ele, em um estado de guerra de todos contra todos, em que cada um estaria entregue a si mesmo. Isso se daria na medida em que haveria duas causas de estados de guerra: a ambição pelo que é do outro (e, durante muito tempo, as guerras visavam, principalmente, à pilhagem do inimigo), mas também a defesa preventiva.

A sensação de desproteção causada pela ausência de um Estado faria, portanto, com que todos se sentissem ameaçados e, sendo assim, todos se atacariam para evitar serem atacados. Hobbes defendia um Estado absoluto porque, segundo ele, um Estado não absoluto, que pudesse ser regido pelo povo, sofreria constantes sublevações; além disso, o poder seria algo tão importante e perigoso que é de fundamental importância que a pessoa no poder fosse uma pessoa capacitada.

Desenho de um homem com uma espada e um cetro em cima de uma cidade representando o leviatã
No frontispício de Leviatã, é possível ver a figura do monarca entre a força e a religião, representadas pela espada e pelo cetro episcopal. Mais ainda: a figura do monarca é constituída pela soma dos cidadãos, que são quem lhe conferem poder e autoridade.

O estado de natureza e o contrato social

Embora fosse ainda um pensador absolutista, Hobbes se propôs a deslocar o caráter e a fundamentação transcendente da monarquia para um viés de imanência. Ao refletir sobre o estado pré-civil, ele chegou a conclusões bastante pessimistas.

Em seu modo de ver, neste tipo de situação, os seres humanos exerciam sua existência de modo natural e instintivo, por isso, inevitavelmente havia uma guerra de todos contra todos, pois o homem tem como instinto agir em favor de seus interesses. A partir disso, Hobbes formulou uma teoria sobre a necessidade e importância de um pacto social, aquilo que surgiria para organizar uma sociedade e fazê-la menos selvagem.

O “estado de natureza”, para Hobbes, era uma situação humana de solidão e egoísmo, em que o interesse seria apenas de satisfação dos próprios desejos e defesa de direitos naturais - a saber, a vida e a liberdade. Por isso, o filósofo famosamente afirma que “o homem é lobo do homem”, contestando a natureza humana agregadora em Aristóteles, que entendia o homem como um “animal político”, naturalmente levado ao estabelecimento de uma comunidade. Além disso, já que o estado de ameaça é constante, nasce uma guerra geral, a chamada “guerra de todos contra todos”.

Contudo, o filósofo mantém que o ser humano é racional. Assim, movido pelo medo da morte violenta e pela racionalidade, chega à conclusão de que para defender seu bem maior, que é a vida, é necessário abrir mão da liberdade total e fazer um pacto.

Pelo “contrato social”, a humanidade sai da vida solitária do estado de natureza e agrega-se em sociedade. Hobbes ressalta que a única forma do acordo dar certo é se houver um poder absoluto e soberano que imponha suas regras (afinal, a natureza humana é egoísta). A esta figura ele dá o nome de Leviatã, monstro bíblico colossal, que deve impor a obediência pelo medo de forma a defender a vida de todos.

“O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza (...) (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam).” (HOBBES, T.; 2003, p. 143)

Reconhecendo a necessidade de regular suas vidas, os indivíduos fazem um pacto - um “contrato”, imagem jurídica de troca, para criar a sociedade civil. A sociedade civil é produto humano ao compreender que é preciso conformar a liberdade natural para garantir uma liberdade real, efetiva, possível - a liberdade civil.

Uma divisão clara entre o estado de natureza, de liberdade e igualdade naturais que geram insegurança e obrigam a instituição, por um ato da vontade, um estado de organização civil. Ali encontram uma estratégia de legitimação do poder político. Se um poder é legítimo, o é porque os indivíduos reconheceram a necessidade de institui-lo. Cada um de nós, em estado de natureza, reconhecemos nossa condição e prometemos concordar em fazer certas concessões e acordos para gerar uma circunstância mais adequada à preservação da vida.

O contratualismo é uma maneira de substituir a vontade divina pela vontade do indivíduo nascente. O direito de governar é humano, não mais divino, e o governante o tem porque a ele foi concedido por outros seres humanos. Para negar essas duas estratégias antigas de justificação do poder, os contratualistas criam uma espécie de fábula: no estado de natureza, os indivíduos são livres e iguais. Não há nada que os amarre em nenhuma relação de poder. Em Leviatã, escreveu:

"A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele." (HOBBES, T.; 2003, p. 143, p. 106).

Muito embora livres e iguais, nesse estado de natureza ausente de poder político, os seres têm uma insegurança em relação à preservação da própria vida. É um estado tenso, na visão de Hobbes, de guerra de todos contra todos - outros contratualistas como Locke e Rousseau, ainda que tenham visões distintas sobre a caracterização do estado de natureza, concordam que ele não permite o desenvolvimento das condições adequadas para a preservação da vida, porque não é político, nem jurídico, nem social.

Para Hobbes, a necessidade de um regime absolutista se deve ao fato de que por qualquer outra via, seria impossível o cumprimento desse contrato - seria, inclusive, impossível haver qualquer acordo, visto que, naturalmente, o ser humano é egoísta e age somente em prol dos seus interesses.

O Estado estaria acima das leis, sem limites para suas ações, desde que agisse no cumprimento de sua parte no contrato: garantir a vida, a prosperidade e a paz. Em troca, os homens abdicam de sua liberdade, para obter os benefícios dos limites das leis. Ou seja, o Estado governa pela força e violência, mas os humanos não precisam mais temer uns aos outros. Hobbes vai além ao afirmar ainda que “os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros [...], quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito”.

Desta forma, pode-se dizer que o absolutismo para Hobbes difere daquele mais tradicional, e a diferença se estende ainda mais quando o pensador reflete sobre a atitude ideal ao soberano. Para ele, o soberano gozaria de maior poder justamente quando ele menos demonstrasse sua força, opressão e repressão para com a população, caso contrário, a sociedade em eterno fluxo o derrubaria rápida e naturalmente.

Outro argumento favorável de Hobbes acerca do absolutismo se dá pela ideia de que o regime acabaria com os conflitos de interesses, visto que somente o soberano teria o poder, somente ele é que guiaria o país e, justamente por não estar submetido ao movimento e à ordem da sociedade, somente ele teria total capacidade e legitimidade para governar, longe de seus interesses pessoais.

O Leviatã (1651)

O Leviatã é uma criatura mítica descrita em várias culturas e tradições, sendo mais notavelmente mencionado na Bíblia Hebraica. Na tradição bíblica, o Leviatã é retratado como um grande monstro marinho, muitas vezes associado com o caos e as forças primordiais. No Livro de Jó, o Leviatã é descrito como uma criatura poderosa e temível, impossível de ser domada pelo homem, simbolizando o poder indomável da natureza e, por extensão, do próprio Deus. Em algumas interpretações, o Leviatã é visto como um símbolo do mal que será derrotado no fim dos tempos.

Para Hobbes, o Leviatã é uma representação do Estado, um modelo explicativo. A palavra artificial, aqui, é utilizada no sentido de saber e fazer humano na sua imitação da natureza. Para Hobbes, a vida é o movimento dos membros do corpo organizado que se origina numa parte interna, isto é, nada mais do que o resultado de uma espécie de fricção da matéria entre suas partículas e o vazio. Assim, é possível afirmar que os autômatos, máquinas que se governam a si próprias, possuem vida artificial.

A definição se dá por Hobbes através da comparação entre corpo humano e máquina: o coração é uma mola, os nervos são as cordas e as juntas são as rodas. O Leviatã, o Estado, é um organismo autômato construído exatamente à base e semelhança do corpo humano: possui coração/alma, que equivale à soberania, um sistema nervoso (poder legislativo) e um sistema motor (poder subalterno). Ele é um deus mortal.

Por outro lado, o soberano é, em última instância, o poder fundado em uma relação essencialmente contratual. Relembrando, o soberano é a quem se atribui o poder absoluto com vistas a três objetivos principais: a prosperidade (riqueza), o bem-estar do povo (a saúde pública) e a justiça (as leis). Portanto, a instituição do Estado existe como força, existe em termos de asseguramento de objetivos e em termos de memória (razão/vontade).

Do ponto de vista do Estado de Natureza, o direito de cada homem se estende até onde alcança sua capacidade de defendê-lo pela força. Isto é, todo indivíduo tem direito universal a todas as coisas. Ocorre que, tal afirmação, equivale a dizer que ninguém tem direito a nada, pois a condição de igualdade natural é uma condição de disputa permanente em que o direito de um resulta na subtração do direito do outro.

Como visto anteriormente, a melhor forma de manter concentrado o poder do soberano é a monarquia. Precisamente porque a condição humana é permanentemente exposta à destruição, deve existir o Estado. O Estado nada mais é do que o resultado de uma transferência de poder absoluto.

Para que os homens possam alcançar alguma espécie de felicidade e bem-estar, devem transferir seu direito absoluto sobre todas as coisas para o Leviatã, renunciando ao seu estado de natureza. O Leviatã é, em última instância, uma pessoa artificial que acumula em si a totalidade dos direitos de todos os homens.

Resumo das ideias de Thomas Hobbes

Assim, no pensamento hobbesiano:

  • a) não há uma sociabilidade instintiva, natural do homem;
  • b) sem a intervenção de um poder soberano e centralizador, o homem estaria em constante estado de conflito;
  • c) na vida em sociedade, o interesse pessoal não deve prevalecer (o filósofo nega o direito natural à propriedade privada, por exemplo);
  • d) o antagonismo recíproco entre os seres humanos só pode ser controlado de maneira artificial, por “um poder comum que os constranja e dirija suas ações para um benefício comum”.

Thomas Hobbes faleceu ao final de 1679, aos 91 anos. Desde 1666 ele estava proibido de publicar quaisquer trabalhos a respeito da conduta humana - sua obra, sobretudo o Leviatã, foi considerada vinculada a uma noção de ateísmo da época.

Seus últimos trabalhos foram traduções da Ilíada e Odisseia, de Homero, para o inglês, até dar seu último suspiro em uma das residências da família Cavendish, da qual se manteve próximo por toda a vida.


Referências

HOBBES, T. Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martins Fontes, 2003

Mais informações
Nascimento:
1588 - 1679
Escolas
Filosofia Política, Contratualismo
Abordagem:
Teoria do Contrato Social, Absolutismo, Materialismo
Épocas:

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