Neste texto você irá encontrar um guia completo sobre o Deus de Spinoza, além de outros detalhes da vida e obra de um dos maiores expoentes da Filosofia Moderna. Conheça Baruch Spinoza através dos seguintes pontos:
- Quem é e em qual contexto histórico viveu Baruch Spinoza?
- Principais obras de Baruch Spinoza
- Qual é a teoria de Spinoza?
- Qual era a visão de Spinoza sobre Deus?
- Quais foram as contribuições da Teoria de Spinoza para a Filosofia Moderna?
- O que é a Ética de Spinoza?
- Qual a relação da Filosofia de Spinoza e da Psicanálise?
- Como aprender mais sobre Ética e Baruch Spinoza?
"Ninguém na segunda metade do século XVII e na primeira metade do século XVIII, nem remotamente, chegou a rivalizar com Spinoza em termos de ser um pensador subversivo". A frase, exposta pelo autor e professor Jonathan Israel, no livro Iluminismo Radical, resume a importância do que desenvolveu Baruch Spinoza, sobretudo, em relação ao conceito de Deus.
Nascido em Amsterdã, na Holanda (1632 - 1677), Baruch Spinoza (Espinosa ou Espinoza, como também é comumente chamado) foi um filósofo responsável, ainda nos primórdios da Idade Moderna, pela concepção da célebre frase "Deus Sive Natura" (Deus ou natureza) e da Teoria da potencialidade dos afetos sobre corpo e a mente humana.
Em outras palavras, sua perspectiva avaliava Deus e a natureza como pertencentes à mesma coisa e a à mesma substância, sobrepondo-se à visão propagada até então, que destinava a esse ser sobrenatural um papel vertical de poder e punição sobre a humanidade.
Para Spinoza, Deus seria causa imanente e não transitiva de todas as coisas. Ou seja, de acordo com a sua análise, o criador e a criatura seriam “unos”, cabendo a Deus ser o próprio mundo e por ele se manifestar.
Dessa forma, estudiosos dedicados à compreensão do mundo e dos seus movimentos estariam, na verdade, conjecturando sobre as próprias manifestações de Deus e sobre as maneiras pelas quais Ele é e se afirma como substância.
Por acreditar nisso, Baruch Spinoza também não via sentido na acepção maniqueísta do dualismo entre um estado de natureza "bom" e um absolutamente "mau”. Afinal, se “tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus, nada pode existir nem ser concebido” (EI P15, Op. cit., p. 23), a realização de ações negativas ocorreriam exclusivamente porque assim estavam previamente determinadas/estipuladas, também fazendo parte do todo.
Ao contrapor a proposta de um Deus imanente àquela de um Deus transcendente, tal qual dizia a lógica Cristã da época, Baruch Spinoza revoluciona a interpretação da fé e da religião.
Para isso, utiliza o método axiomático-dedutivo* como alicerce de suas ideias, as quais são brilhantemente traduzidas no seu livro póstumo “Ética” - considerado um dos mais importantes da Filosofia Moderna.
Na prática, o Deus de Spinoza repercute até hoje, sendo base para diversos outros pensadores, como:
- Deleuze;
- Goethe;
- Hegel;
- Nietzsche;
- Bergson,
- Eric Fromm;
- Vygotski;
- Marilena Chaui;
- além da psiquiatra Nise da Silveira.
Estudar as teorias de Spinoza e a origem da sua Ética é um convite para refletir sobre a natureza intrínseca da realidade, a interconexão entre corpo e mente, e a profunda interdependência entre o ser humano e o universo.
Quem é e em qual contexto histórico viveu Baruch Spinoza?
Baruch Spinoza nasceu em Amsterdã, Holanda, em 1632, e faleceu aos 44 anos, em 1677, em Haia, vítima de tuberculose.
O pensador é reconhecido por defender o liberalismo político, por propor uma visão distinta sobre o mundo, cosmos e ser humano - baseada na observação inovadora da ética, do afeto e dos relacionamentos pessoais, e por ser um dos mais importantes nomes da Filosofia Moderna, assinando a ideia da "natureza como Deus" e do racionalismo religioso.
Com trajetória marcada pela emigração da família judia de Portugal, que na época fugia do Tribunal do Santo Ofício (perseguição daqueles que não compartilhavam dos dogmas da Igreja Católica), apresentou desde cedo uma inquietação intelectual acerca do conceito de Deus, além do interesse sofisticado pelos estudos de teologia, línguas, filosofia e política.
Embora o pai, um comerciante bem-sucedido, quisesse que Spinoza seguisse seus passos profissionais, foi na proposição do imanentismo e do princípio da unidade substancial, elementos que alicerçaram sua concepção de Deus, que garantiu destaque na História.
Devido a tais pensamentos subversivos e ao perfil irredutível do pensador, em 27 de julho de 1656, a Sinagoga Portuguesa de Amsterdã determinou que Spinoza sofresse o mais alto grau de punição dentro do judaísmo, o chamado “chérem”, equivalente à excomunhão no catolicismo, que o punia pelo crime de “ateísmo”.
Na carta de excomunhão, escrita em português, a comunidade judaico portuguesa de Amsterdã fazia recomendações explícitas sobre o banimento de Spinoza: “ninguém lhe pode falar oralmente nem por escrito, nem lhe fazer nenhum favor, nem estar com ele debaixo do mesmo teto, nem junto com ele a menos de quatro côvados (três palmos, isto é, 0,66m; cúbito), nem ler papel algum feito ou escrito por ele”.
Isolado e excluído da comunidade judaica e com registros da família perseguida pelo movimento católico lusitano, Baruch Spinoza dedicou a sua jornada à formulação de teorias inovadoras. Escolheu uma vida simples, sem propriedades, tendo sobrevivido - segundo boatos, de doações de amigos e do ofício de polir lentes.
(...) se Espinosa foi condenado mais severamente, excomungado desde 1656, é por que recusava penitenciar-se e buscava, ele próprio, a ruptura” (Deleuze, 2002, p.11).
As obras de Baruch Spinoza
Ao longo da sua trajetória, Spinoza escreveu importantes obras, que contribuíram para o chamado "espinosismo” (a popularização da sua forma de observar o mundo e as relações humanas). São eles:
Qual é a Teoria de Spinoza?
Como abordado anteriormente, Baruch Spinoza dedicou-se sobretudo à conceituação de Deus, à elaboração de uma explicação sobre a potência dos afetos, e à reflexão sobre a interseção e integração do corpo e da alma.
Nesse sentido, diz-se que Spinoza acreditava no "Deus sive Natura", portanto, que o Criador estava imerso e era a própria natureza.
Ao contrário do que abordavam as instituições religiosas do período, Spinoza ratifica a proposta de um universo que se perfectibiliza por meio de uma única substância (Deus), infinita, não dependente de mais nada para existir, além de dotada de diversos atributos.
Em sua teoria, os atributos são definidos por meio da sua capacidade de dar formas e clarividência à existência de partes dessa “substância una”. Enquanto isso, ao humano é reservada a compreensão e a expressão de somente dois desses atributos: o pensamento (intelecto humano) e a extensão (capacidade corpórea, ou o corpo em si).
Assim, os atributos são na prática uma interlocução entre a substância e seus modos, fazendo dos homens verdadeiras aparições e reafirmações de Deus junto ao intelecto e percepção humana.
Nessa divisão geométrica e axônica de seus conceitos, Spinoza (ou Espinoza/Espinosa) constrói argumentos robustos (no livro Ética) para comprovar que a substância e os atributos são inseparáveis, sendo Deus uma potência infinita que "se exprime em virtude de seu caráter infinito, numa infinidade de coisas naturais, que aparecem como seus efeitos, ou seus modos particulares”. (RIZK, 2006, p. 21)
Em outras palavras, isso significa dizer que o Deus de Spinoza é aquilo que existe por si só, sem motivações exteriores para se consagrar, da mesma forma que todo o mais existente faz parte e é essencialmente Deus.
Através dessa observação, Spinoza passa a validar, em caráter inédito, o potencial da mente junto ao potencial do corpo, visto tudo ser Deus. Consequentemente, por ser o corpo uma expressão clara e tangível da substância (Deus) é por óbvio relevante, afetando e sendo afetado a partir dos encontros.
“…por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (SPINOZA, EIII, Def 3, 2009, p. 98).
Ou seja, para Spinoza, o corpo está em uma constante interação com o universo, uma vez que afeta e é afetado. A esse ponto, destitui-se também outra das “verdades” da época - a de um corpo que é desprivilegiado em relação à mente - como propunham os dogmas religiosos tradicionais.
Afinal, qual é a visão de Spinoza sobre Deus?
Resumindo o discutido até aqui, pode-se colocar o Deus de Spinoza na seguinte contraposição ao Deus religioso.
Quais foram as contribuições da Teoria de Spinoza e do Espinosismo para a Filosofia Moderna?
As contribuições de Spinoza para a Filosofia Moderna e para um novo olhar sobre a ética são bastante densas.
Além de ser considerado um dos expoentes do racionalismo moderno, promoveu uma verdadeira ruptura com as concepções tradicionais de Deus, estado de natureza e da relação entre a mente e o corpo
A forma de estruturação de seu pensamento - matemática, geométrica, dedutiva e essencialmente racionalista, possibilitou a pavimentação de um caminho para a chamada filosofia das luzes.
Adicionado a isso, por acreditar em uma composição de "ética" enquanto o desejo de uma vida guiada pela razão e pela busca da compreensão do mundo, atribuiu ao conhecimento uma das formas mais sublimes de contato com o divino.
Baruch Spinoza impulsionou, ainda no século XVII, reflexões e críticas que reverberam contemporaneamente até os dias de hoje.
O que é a Ética de Spinoza?
Resumindo o caminho percorrido até aqui, a ética de Spinoza refere-se à capacidade e à vontade do ser humano de se conduzir a partir da razão. Percepção abordada, sobretudo, no seu livro “Ética Demonstrada Segundo a Ordem Geométrica”, ou simplesmente “Ética de Spinoza" - como é popularmente chamado.
A obra, reconhecida como o livro da filosofia, propõe, de uma maneira abstrata e mais complexa (seguindo parâmetros cartesianos e matemáticos), uma visitação a diversas questões metafísicas. É dividida em cinco livros, os quais contemplam o pensamento mais maduro da trajetória do autor e se destinam à alcançar uma finalidade moral - a bem-aventurança. São eles:
- I. De Deus;
- II. Da natureza e da origem da alma;
- III. Da origem e da natureza das afeições;
- IV. Da servidão do homem ou das forças das afeições;
- V. Do poder do entendimento ou da liberdade do homem.
Nesse contexto, para o filósofo, viver eticamente é viver de acordo com a razão, o que, consequentemente, leva ao amor intelectual de Deus (amor Dei intellectualis) - estado exclusivo de beatitude, no qual se dá a compreensão acerca da unidade de todas as coisas permeadas pela substância divina.
Nesse contexto, a filosofia de Spinoza tem um papel fundamental na elaboração de uma vida com liberdade ética e política, distanciando-se do mundo da superstição, do medo, da alienação e do que é falso.
Qual a relação da Filosofia de Spinoza e da Psicanálise?
O intercâmbio dessas áreas do conhecimento se estabelece, principalmente, a partir da concepção de “atravessamento dos corpos” de Spinoza, juntamente com a capacidade humana de se tornar livre através da razão.
O pensador conversa diretamente com os campos de estudo da psicanálise quando aborda o poder dos afetos e a sua habilidade para moldar a mente e extensão humana e quando defende a possibilidade das emoções serem controladas pela razão.
O objetivo terapêutico da psicanálise é, de alguma maneira, trazer à consciência os processos inconscientes. Não seria essa a sugestão de Spinoza?
À medida que a Teoria de Spinoza critica a ordem vigente e influencia um pensar para além do já exposto e estabelecido ela também se aproxima da psicanálise, que, de certa maneira, busca a liberdade e emancipação do sujeito.
Como aprender mais sobre Ética e Baruch Spinoza: 5 cursos imperdíveis!
A melhor estratégia para destrinchar a filosofia de Spinoza e o movimento espinosista é dedicar-se à capacitação de qualidade, com fontes sólidas, mediada, principalmente, por especialistas e estudiosos-referência no tema. Abaixo você encontra 6 cursos interessantes para sistematizar o conceito de Deus de Spinoza, estado de natureza, liberdade e poder a partir das suas principais teorias:
1) A Trilha da Filosofia
Nesta série você irá aprender as propostas de alguns dos principais pensadores, passando por temas e conceitos da história do pensamento filosófico.
Uma viagem pela obra de Tomás de Aquino (1225-1274), René Descartes (1596-1650) e Baruch Espinosa (1632-1677).
2) Psicanálise e Filosofia para a Vida: Ideias Sobre Quem Somos e Podemos Ser
Uma reflexão criativa sobre filosofia e a psicanálise, para trazer elementos de reflexão e ação sobre dilemas, enfrentamentos e aprendizados encontrados ao longo da existência.
O curso [Psicanálise e Filosofia para a Vida] passa pelas ideias de pensadores como Sócrates, Platão, Espinosa, Kant, Nietzsche, Freud, entre outros.
3) Os Pensadores: Baruch Espinosa
Entenda objetivamente qual é o pensamento filosófico originalíssimo de Spinoza, que coloca para o homem contemporâneo questões atuais e perenes: como tornar-se, a despeito dos interesses vulgares, livre, sábio e eterno?
É um aprendizado essencial para os interessados em filosofia, visto Spinoza ser considerado um dos pensadores fundamentais para esta área do saber. São 4 aulas ministradas por Fernando Dias Andrade - Professor de História da Filosofia da Unifesp, doutor em Filosofia pela USP, com pós-doutorado na França e na Holanda.
4) Um Dia com Espinosa
Conheça com detalhes ainda mais profundos da vida e obra de Spinoza. Seis aulas que abordam os conceitos do pensador sobre ética, Deus e paixões.
Neste curso, o jornalista e professor livre-docente na área de Ética da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Clóvis de Barros Filho, aborda a teoria de Spinoza sobre Deus e a substância infinita, além de discutir seus conceitos de paixões, liberdade, caminhos para virtude e felicidade.
5) Espinoza, Freud e Foucault: Três Formas de Pensar o Poder
A compreensão do poder é também alavanca para o entendimento de outros aspectos inerentes à sociedade, como é o caso do poder e das relações de poder.
Acompanhe as similitudes e as diferenças nas propostas de três pensadores que são fundamentais para a compreensão deste fenômeno: Espinoza, Freud e Foucault.
Embora sejam pertencentes a momentos distintos da história, continuam reverberando no tempo presente.
Referências
ALMEIDA, Pablo Joel. A concepção imanente de Deus em Espinosa. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Albertuni. Filosofia (UEL). Disponível em: <https://www.uel.br/eventos/sepech/sumarios/temas/a_concepcao_imanente_de_deus_em_espinosa.pdf >. Acesso em: 12 jun. 2024.
CHAVES, Hamilton Viana; MAIA FILHO, Osterne Nonato; OLIVEIRA, Juliano Cordeiro da Costa; NETO, Francisco Edmar Pereira. Contribuições de Baruch Espinosa à teoria histórico-cultural. Psicol. rev. (Belo Horizonte), v. 18, n. 1, Belo Horizonte, abr. 2012. Disponível em: <https://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/3849 >. Acesso em: 13 jun. 2024.
DELEUZE, G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002. apud SANTOS, Valdeci Ribeiro dos; RIBEIRO, Wallace Cabral. Spinoza, uma filosofia da imanência dos afetos. KÍNESES, Revista de Estudos dos Pós-Graduados em Filosofia, v. 12, n. 33, 2020. Disponível em: <https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/11358 >. Acesso em: 13 jun. 2024.
LUCAS, Felipe Jardim; GUIMARAENS, Francisco de; ROCHA, Maurício; VARELLA, Maria Izabel (Orgs.). Spinoza, filosofia & liberdade. Volume 1. Disponível em: <http://www.editora.puc-rio.br/media/Spinoza-vol1_final_2.pdf >. Acesso em: 13 jun. 2024.
SPINOZA, B. Ética segundo a ordem geométrica. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. apud SANTOS, Valdeci Ribeiro dos; RIBEIRO, Wallace Cabral. Spinoza, uma filosofia da imanência dos afetos. KÍNESES, Revista de Estudos dos Pós-Graduados em Filosofia, v. 12, n. 33, 2020. Disponível em: <https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/11358 >. Acesso em: 13 jun. 2024.
O método axiomático-dedutivo foi um dos importantes pilares para o desenvolvimento e comprovação do Teorema de Pitágoras (550 a.C). Trata-se de uma proposta que leva em consideração a existência de axiomas (palavra grega, que em português significa 'considerar válido') e regras de inferências lógicas para chegar a um resultado a partir da dedução - ou seja, de um levantamento de ideias gerais sobre determinado tema para alcançar alguma conclusão particular sobre ele. Assim, o método axiomático-dedutivo é uma das relevantes ferramentas da matemática, sendo explorada, inclusive, no livro "Os Elementos", de Euclides (300 a.C). É o encadeamento lógico a partir de verdades evidentes, tais quais os axiomas, que proporciona a extração de consequências lógicas através de métodos dedutivos. Ao utilizar esse modelo de pensamento para explicar o seu conceito de Deus, Spinoza faz uma importante inovação: pensar a religião através da demonstração matemática. Por isso, o pensador é considerado um filósofo à frente do tempo, além de disruptivo.