O pensador e ativista mineiro Ailton Krenak é o primeiro representante dos povos originários a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), rompendo barreiras históricas e estabelecendo uma conexão entre as culturas indígenas e a reflexão filosófica.
Krenak realiza uma abordagem embasada na memória ancestral e no pensamento mágico do povo indígena. Suas reflexões resultaram em livros como Ideias para Adiar o Fim do Mundo e A Vida Não é Útil. Este último faz considerações acerca da pandemia de Covid-19 e críticas aos hábitos da chamada civilização, como o consumismo desenfreado e a devastação do meio ambiente.
Neste artigo, você vai conhecer um pouco da história deste líder indígena, seus principais livros e como suas ideias têm impactado o cenário contemporâneo.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
Quem é Ailton Krenak?
Ailton Alves Lacerda Krenak nasceu no município de Itabirinha, em Minas Gerais, no dia 29 de setembro de 1953. O município faz parte da região do Vale do Rio Doce, historicamente explorada pela mineração. Krenak foi testemunha desde cedo dos impactos negativos da mineração aos povos originários, bem como de outras ameaças aos cidadãos de sua etnia, como a grilagem, a invasão das terras demarcadas e a exploração ilegal da madeira.
Ele é integrante da etnia indígena Krenak, originária do norte de Minas Gerais. No período colonial, os portugueses chamavam os representantes desta etnia de botocudos, devido aos adornos arredondados que usavam nos lábios e nas orelhas. Os Krenak sofreram diversos tipos de violência ao longo da história, incluindo massacres apoiados e decretados pelo governo colonial na busca desenfreada por ouro e outros metais e pedras preciosas em Minas Gerais.
Ailton Krenak demonstrou interesse pelos direitos indígenas desde muito jovem. Aos 17 anos, mudou-se com sua família para o Paraná, onde foi alfabetizado e cursou faculdade de jornalismo. Na década de 1970 deu início à sua trajetória como ativista político e ambientalista, propondo um pensamento que unia filosofia e ecologia. Nesse período, já questionava as estruturas de dominação no país e o desrespeito aos povos indígenas. Em 1987, fundou o Núcleo de Cultura Indígena e teve participação ativa na Assembleia Constituinte, defendendo os direitos humanos e a valorização da cultura das populações indígenas.
Em seu discurso emblemático na Assembleia Constituinte, realizado em 4 de setembro de 1987, ele passou tinta de jenipapo no rosto enquanto falava no púlpito sobre a construção de uma sociedade justa, que respeitasse a dignidade dos povos indígenas. Esse seu gesto simbólico unido ao seu pronunciamento, mobilizaram a opinião pública e foram de fundamental importância para a aprovação dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, que tratam dos direitos das pessoas indígenas, como a posse de terras, a organização social e a proteção dos seus bens.
Ailton Krenak também foi um dos fundadores da União dos Povos Indígenas e da Rede de Povos da Floresta. Suas profundas reflexões sobre o futuro das populações indígenas o transformaram em uma referência mundial sobre o tema.
Jornalista, escritor e poeta, Ailton Krenak venceu em 2020 o prêmio Juca Pato de intelectual do ano, concedido pela União Brasileira dos Escritores. Em 2023, ingressou na Academia Mineira de Letras e em abril de 2024, tomou posse na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro.
Sua entrada na instituição representa um momento histórico, que reconhece a importância da perspectiva indígena no diálogo filosófico e acadêmico brasileiro. Ele ocupa a cadeira número 05 da ABL, que pertencia ao historiador José Murilo de Carvalho, falecido em agosto de 2023. A cadeira já havia sido ocupada anteriormente por nomes como Oswaldo Cruz e Rachel de Queiroz.
Entre os principais livros de Ailton Krenak, estão Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020), Futuro ancestral (2022) e Lugares de Origem (2021), escrito junto com Yussef Campos.
Para aprofundar seus conhecimentos em relação às perspectivas indígenas a respeito das condições de reparação humanas diante das consequências da colonização, assista ao curso Pensar, Sentir, Desejar e Amar: Ideias para Reflorestar o Pensamento, da Ativista indígena guarani e psicóloga Geni Nuñez. Clique no botão abaixo e entenda as diferenças entre conceitos como decolonial, descolonial, pós-colonial e contra colonial.
CONFIRA O CURSO
Livros de Ailton Krenak
Krenak é autor de diversos livros e ensaios que exploram temas como a relação da humanidade com o meio ambiente, identidade indígena e as diferenças entre a sabedoria ancestral e o estilo de vida capitalista contemporâneo. Ele faz uma literatura que ajuda a compreender a formação social e cultural do Brasil. Veja a seguir as suas principais obras:
LIVROS DE AILTON KRENAK | RESUMO | ANO DE PUBLICAÇÃO |
---|---|---|
Ideias para Adiar o Fim do Mundo | Reflete sobre os desafios contemporâneos e a crise ambiental na era que vivemos, o Antropoceno. A partir do vale do rio Doce, ele questiona a separação entre humanidade e natureza, defendendo a resistência indígena como reconhecimento da diversidade e rejeição da ideia de superioridade humana. Inspirando-se em histórias coletivas, propõe adiar o fim do mundo resgatando conexões e significados essenciais da vida. | 2019 |
A Vida Não é Útil | Reúne cinco textos baseados em palestras, entrevistas e lives realizadas entre novembro de 2017 e junho de 2020. Traz reflexões impulsionadas pela pandemia de covid-19 e alerta para as tendências destrutivas da civilização, como consumismo excessivo e a devastação ambiental | 2020 |
Futuro Ancestral | Ele questiona a ideia de futuro, frequentemente marcada por cenários apocalípticos ou esperanças de redenção, destacando que tais ilusões nos distanciam da realidade presente. Produzidos entre 2020 e 2021, os textos exploram a conexão com o ancestral e a noção de que o futuro é, na verdade, algo que já estava presente, assim como os rios, que simbolizam essa ideia ancestral e constante no mundo | 2022 |
Kuján e Os Meninos Sabidos | Primeiro livro infantil do autor, escrito em parceria com a ilustradora Rita Carelli. Narra a história do reencontro surpreendente entre o criador e seus filhos, humanos. | 2024 |
Lugares de Origem | Composto por três textos que questionam a monocultura simbólica imposta pelas culturas hegemônicas. O primeiro é uma entrevista com Krenak de 2013; o segundo, uma fala do líder na Universidade Federal de Goiás após o desastre de Mariana; e o terceiro, um ensaio de Yussef Campos que analisa o gesto de protesto de Krenak ao pintar o rosto de jenipapo diante do Congresso Nacional durante a Constituinte. | 2021 |
Além dos livros citados acima, Krenak também escreveu:
- Ailton Krenak: Encontros (2015)
- O lugar onde a terra descansa (2000)
- O Amanhã Não está à Venda (2020)
- Firmando o pé no território (2020)
- O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundos no mesmo mundo (2021)
A Filosofia e as Principais Ideias de Ailton Krenak
Ailton Krenak possui uma abordagem filosófica fundamentada na memória ancestral e no pensamento mágico dos povos indígenas, combinando sabedoria tradicional, críticas às estruturas econômicas atuais e reflexões sobre sustentabilidade e coexistência. Sua obra resgata a experiência da sabedoria ancestral e faz uma crítica ao estilo de vida ocidental, frequentemente marcado pela exploração da natureza como recurso basilar da economia.
Baseada em valores como memória e respeito à terra, a sua filosofia propõe uma nova relação com o meio ambiente. Seu livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo, publicado em 2019, já vendeu mais de 90 mil cópias somente no Brasil e reflete suas ideias centrais.
Krenak defende a redefinição da relação com a terra, propondo que ela não deve ser vista como um recurso a ser explorado, mas como um ente vivo e sagrado, um espaço de pertencimento. Ele acredita ser possível a construção de uma relação harmônica entre a humanidade e a terra, baseada no respeito. Além disso, o filósofo aborda a necessidade da descolonização do pensamento, rompendo com paradigmas europeus construídos na modernidade que negaram saberes ancestrais e impuseram valores excludentes.
Krenak propõe uma releitura da história e das estruturas sociais através de uma nova visão, plural e inclusiva. A sua percepção acerca da resistência vai além da luta política, envolvendo ações simbólicas e alternativas para questionar o modo de vida insustentável da civilização industrial. Apesar de suas críticas, ele promove uma perspectiva otimista, acreditando ser possível transformar o futuro ao reconstruir nossos modos de viver e pensar.
Ailton Krenak e a Relação com a Natureza
Um ponto central na obra de Krenak é a conexão entre natureza e espiritualidade. Ele aborda a visão indígena sobre o meio ambiente, enfatizando a interdependência entre seres humanos e natureza. Em suas palavras, a relação deve ser menos sobre exploração e mais sobre compreensão, cuidado e harmonia.
A ideia é que respeitando a natureza como um espaço sagrado, nossa relação com o planeta poderia se tornar mais sustentável e ética, proporcionando bem-estar para todas as formas de vida.
Frases de Ailton Krenak
“Fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terrra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza” (Ideias para Adiar o Fim do Mundo)
“Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar.” (Ideias para Adiar o Fim do Mundo)
“A gente não fez outra coisa nos últimos tempos senão despencar. Cair, cair, cair. Então por que estamos grilados agora com a queda? Vamos aproveitar a nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos.” (Ideias para Adiar o Fim do Mundo)
Conclusão
Ailton Krenak, como poucos pensadores, possui a habilidade de articular a sabedoria ancestral indígena, o ativismo político e a reflexão filosófica. Sua obra mescla palestras, ensaios, memórias e análises críticas sobre o Brasil, incluindo a relação da sociedade com a natureza.
Sua trajetória reflete a busca por justiça, reconexão com o planeta Terra e por uma filosofia que desafia as estruturas da vida contemporânea. A obra e a filosofia de Ailton Krenak são essenciais para compreender o cenário político e ambiental atual. Seu legado transcende o meio acadêmico, influenciando movimentos sociais, ambientais e filosóficos no Brasil e no mundo. Como ativista, tornou-se símbolo da resistência e do diálogo intercultural, defendendo sempre a pluralidade e o respeito às diferentes formas de viver.
Perguntas Frequentes sobre Ailton Krenak
1. Quem é Ailton Krenak?
Ailton Krenak é um filósofo, ambientalista e ativista brasileiro da etnia Krenak e foi o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Ele é amplamente reconhecido por sua luta em defesa dos direitos indígenas, da preservação ambiental e por sua crítica ao modelo de desenvolvimento ocidental.
2. Quais são as principais ideias de Ailton Krenak?
As principais ideias de Ailton Krenak incluem a valorização da relação harmônica entre homem e natureza, a crítica ao conceito de progresso como exploração e destruição ambiental e a necessidade de descolonizar o pensamento dominante para abrir espaço para outros saberes e modos de vida. Krenak também propõe que é possível repensar o futuro por meio da conexão com a sabedoria ancestral, promovendo práticas sustentáveis e respeitosas para lidar com os desafios globais.
Referências:
https://portal.stf.jus.br/constituicao-supremo/artigo.asp?abrirBase=CF&abrirArtigo=231