Filosofia

O que é o estoicismo? Entenda os pilares, conceitos e significados

O que é o estoicismo? Entenda os pilares, conceitos e significados
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Tainá Voltas
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Como reagir à imprevisibilidade da vida e qual o seu sentido? Essas são as principais questões do estoicismo, uma escola filosófica potente na Grécia Antiga, mas que ainda hoje produz efeitos significativos ao incentivar reflexões acerca da felicidade, desapego e apatia.

Neste texto você viajará rumo ao período helenístico, nos séculos IV, III e II a.C, para conhecer a importante filosofia estoica e o seu significado. Faremos isso a partir do seguinte roteiro:

  • O que é o Estoicismo
  • Os Pilares do Estoicismo
  • Estoicismo vs. Cinismo: Diferenças Essenciais
  • Os Principais Filósofos Estoicos: Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio


Pintura de Epicteto, um dos expoentes filósofos do estoicismo.
Ao lado de Marco Aurélio e Sêneca, Epicteto foi um dos expoentes filósofos estoicos (Fonte: Domínio Público)


O que é o Estoicismo?

A observação da vida e a busca pela explicação de seus fenômenos é um traço comum na história da Filosofia Ocidental, independentemente da sua escola. Cada uma delas se empenhou para explicar essa equação (e ainda o faz) por meio de argumentos complexos e bastante aprofundados.

No estoicismo não foi diferente. A doutrina filosófica, fundada durante o período helenístico, sobretudo nas leis da natureza, se debruçava sobre a compreensão do sentido da vida, tendo a lógica e a razão como aliadas para esse processo.

De forma geral, a abordagem estoica tinha a felicidade com um fim último e acreditava alcançá-la através da aceitação da inevitabilidade da vida e do cultivo de uma resiliência emocional diante das adversidades e do que era imprevisível.

Ou seja, para o estoicismo a felicidade poderia ser palpável a partir do momento em que as emoções eram racionalizadas, os episódios da vida eram entendidos como pertencentes a uma teia natural e inevitável de causas e efeitos, e os esforços/desejos de mudança humanos eram direcionados para as coisas passíveis de serem controladas e não para aquelas alheias à nossa vontade, tal qual a morte.

Por esse motivo, a felicidade estoica figura como um dos temas mais difundidos e importantes da filosofia. Mas como essa escola foi idealizada?

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De que forma o Estoicismo começou?

Zenão de Cítio (333 a.C - 263 a.C), seu precursor, foi influenciado pela Escola de Cínica, a qual defendia o desapego aos bens materiais e deu origem à expressão cinismo*, a estruturar uma corrente de pensamento alicerçada na ideia de uma vida simples, distante dos vícios e medos e mais próxima da virtude.

* A ideia de cinismo associado à falsidade trata-se de uma perspectiva contemporânea acerca do tema, afastada da sua concepção original. Na Grécia Antiga, o cinismo descrevia, na verdade, o movimento dos “filósofos do desapego”, ou seja, aqueles não aficionados com a matéria/bens.

Para isso, praticava o ensino por meio de uma lógica cosmopolita - realizada em um ambiente aberto chamado "stoá", que traduzido dá conta de algo como Pórtico (uma ágora utilizada para difundir os pensamentos filosóficos da época e para propiciar discussões intelectuais sobre os mais variados temas).

Ágoras, espaços nos quais os filósofos estoicos disseminavam suas ideias. Estrutura arquitetônica romana.
O Stoá Poikilé, ou Pórtico Pintado, era o espaço destinado à transmissão das reflexões estoicas, em uma estrutura de pensamento livre e dinâmico (Designed by Freepik)



É dessa tradição, praticada por Zenão e outros filósofos, que a palavra estoicismo toma forma e que a doutrina, criada inicialmente na Grécia Antiga, se populariza para outras regiões, tal qual Roma, sendo, inclusive, uma das bases do cristianismo

A partir disso, a filosofia estoica foi abraçada por grandes nomes, como Marco Aurélio, Epicteto e Sêneca, expandindo seu significado conforme as especificidades de cada tempo.

Na era moderna, por exemplo, Foucault usou o pensamento estoico para destacar a relevância do desenvolvimento de uma escuta bem conduzida¹.

"Aprender a Viver: Como a Sabedoria Pode ser o Caminho para uma Vida Melhor"

Um convite às descobertas do pensamento de expoentes que moldaram a filosofia, desde Platão, Sêneca, Aristóteles e Tomás de Aquino, a Descartes, Espinosa, Nietzsche


Características do estoicismo

Em resumo, o estoicismo acredita que o ser humano faz parte e é habitado pela natureza (physis - Φύσις, em grego), de modo que acompanhá-la é, de igual modo, agir segundo nosso próprio ser (GAZOLLA, 2006).

Por esse motivo, a perfeição e virtuosidade está na compreensão de uma ligação intrínseca entre homem e natureza, que orienta a busca pela felicidade a partir da negativa aos desejos e do estabelecimento de uma razão em conformidade com as leis naturais do universo.

De acordo com a escola, o ser humano é a própria natureza, afastando-se dela quando atormentado pelas paixões:

(...) se a natureza é dita perfeita, se é divina, se todos os seres são excelentes por ela e nela, e seu modo de mover-se é eterno, o reverso é perguntar sobre as perturbações da perfeição e como são possíveis. Ora, as perturbações do mover-se perfeito têm nome na Stoa: são as paixões pleonásticas ou exacerbadas (GAZOLLA, 2006, p. 189).


Assim, para entender o que é o estoicismo, basta que compreendamos também a sua perspectiva ética baseada na ataraxia (ou indiferença/apatia) como forma de driblar a tendência humanoide ao afastamento da physis (natureza).

Para seus pensadores, a vida era determinada inafastavelmente por uma força cósmica equilibrada e harmoniosa, sobre a qual a virtude se estabeleceria em uma existência experienciada conforme desígnios da physis.

Desse modo, deveriam ser evitados os desejos vazios, os excessos, as paixões perturbadoras e as coisas supérfluas, à medida que a razão e a lógica seriam privilegiadas.

Na filosofia estoica, então, agir virtuosamente seria reconhecer o potencial do ciclo cósmico infindável, aceitando as mudanças sobre as quais não se teria controle, posicionando-se com resiliência frente à elas, e dedicando-se a alterar somente aquilo que fosse possível, como, por exemplo, as reações ao “não programável”.

Por essa razão, a máxima estoica é descrita como “a vida deve seguir a natureza", tese de autoria de Zenão.

Leis da Natureza Imutáveis O agir estoico
Morte Priorizar a qualidade de vida
Mudanças Aceitar a impermanência
Sofrimento Cultivar resiliência emocional
Incerteza Focar no controle sobre as próprias reações
Limitações humanas Buscar autoconhecimento e desenvolvimento pessoal
Destino Agir com virtude, aceitando o que não se pode mudar
Ciclo da vida Viver no presente. Valorizar cada momento


O estoicismo, estruturado há mais de 2 mil anos, continua reverberando suas reflexões e conquistando adeptos ao longo da história

Nos tempos contemporâneos, marcados pelos excessos (de informação, produção, consumo, acúmulo, entre outros), oferece respostas apaziguadoras para o ambiente caótico, pressionado cada vez mais pelo ritmo acelerado das transformações digitais.

Leia também:

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Assim, podemos definir o estoicismo como uma escola filosófica que procura dar respostas à inquietação humana, propondo um modo de vida sereno e guiado pela racionalização.

Trata-se de um exercício para privilegiar a razão como ferramenta para lidar com as emoções, afastando os vícios e cultivando as virtudes.

Mauricio Marsola , professor de história e filosofia da Unifesp, contribui para a acepção do conceito, em um material produzido pela Casa do Saber:

“Para o estoicismo o mundo é um grande sistema composto de relações causais necessárias. É uma racionalidade plena, na qual todas as coisas concorrem para uma harmonia maior. A isso os estoicos chamam de logos (o que também pode ser compreendido como physis, ou Deus). Cabe a nós criarmos uma harmonia em nossa alma que reproduza a harmonia do cosmos”

Assista na íntegra:



Os componentes e os pilares do estoicismo

Como vimos, o estoicismo propõe uma lógica de pensamento realista, que não idealiza o mundo, mas sim o aceita tal como é.

Nesse contexto, a apatheia (indiferença às emoções perturbadoras da paixão) é compreendida como um pré-requisito para um estado de paz interior, conhecido como ataraxia.

Componentes do estoicismo

Para concretizar a sua doutrina e tornar o objetivo acima factível, o estoicismo sugere ainda um sistema para pensar a filosofia, metaforicamente, como um organismo vivo, interconectado e interdependente, assim como formado por três componentes:

"Os antigos estóicos, como se sabe, criam um interessante sistema para pensar a Filosofia no qual todas as partes, absolutamente interligadas, são metaforicamente expostas como se fosse um organismo. Uma das metáforas é a de que os ossos e nervos seriam a Lógica, a carne seria a Ética e a alma, a Física" (GAZOLLA, 2006, p. 185)


Pilares do estoicismo

Além disso, a sabedoria estoica se traduz no exercício de um trabalho de consciência interior, que leva em consideração os campos que podem ser realmente modificados pelo ser humano.

Nesse sentido, surgem as virtudes cardeais, também enquadradas como os 4 pilares ou modos de atuação do estoicismo, quais sejam:

  1. Sabedoria: entender as dinâmicas do mundo de uma maneira lógica e calma, com discernimento sobre o que é realmente importante. Fazemos isso por meio da meditação, da leitura de textos filosóficos, do ensino, e através das nossas experiências.

  2. Justiça: agir com equidade e sem impulsividade, considerando as consequências das ações em relação ao próximo.

  3. Coragem: ter o conhecimento do que deve ser temido e o que deve ser suportado, sendo uma ferramenta incrível para o enfrentamento das adversidades com bravura.

  4. Moderação (ou Temperança): equilibrar os desejos, minimizar os vícios e experimentar as virtudes. Trata-se de evitar os excessos e buscar constantemente a harmonia.


Para o estoicismo, esses 4 pilares, que se complementam e se retroalimentam, performam a base da virtuosidade plena.




Estoicismo vs. Cinismo: Diferenças Essenciais

As duas correntes emergiram na Grécia Antiga, compondo as chamadas filosofias helenísticas - as quais são caracterizadas por se preocuparem com a ética, felicidade e bem-viver.

Porém, embora se entrelacem e se aproximem em uma ideia central (busca por uma harmonia com a natureza), tais escolas possuem diferenças significativas, sobretudo quanto à radicalidade das suas percepções.

Enquanto o cinismo enfatiza o desapego e a rejeição total das convenções sociais, o estoicismo busca uma aceitação ativa da realidade, propondo a virtude como um caminho para a felicidade.

Estoicismo Cinismo
Principais Expoentes Sêneca, Epicteto, Marco Aurélio. Diógenes de Sinop, Crates de Tebas.
Visão de Mundo Harmonia entre homem e universo. Rejeição das normas e convenções sociais
Relação com a Virtude Aceitação e racionalidade. Desprezo pelas convenções e comodidades.
Conceito de Felicidade Alcançada por meio da aceitação do inevitável e da busca pela mudança daquilo que pode ser controlado. Encontrada na harmonia com a natureza.
Autonomia Aceitação do que não se pode controlar. Autarquia e controle sobre a própria vida.


Os Principais Filósofos Estoicos

1) Sêneca

Nascido em 4 a.C, Sêneca foi um dos mais influentes filósofos e o principal expoente do estoicismo no Império Romano.

Faleceu em Roma, no ano 65 d.c, acusado de conspiração contra o imperador Nero, mesmo que tivesse sido seu preceptor anteriormente. O episódio é narrado no quadro “A Morte de Sêneca”, de Jacques-Louis David (1748–1825).

Pintura a morte de Sêneca
La morte di Seneca, olio su tela, Musée du Petit-Palais, Parigi, de Jacques-Louis David (1748–1825) (Fonte: Domínio Público). Acusado, junto a Pisão, de conspiração para o assassinato planejado de Nero, Sêneca foi obrigado a tirar a própria vida. Não houve qualquer tipo de julgamento. O quadro retrata o momento em que o filósofo cumpre seu destino na presença de amigos.



Entrou para a história não só como um exímio filósofo, como também um humanista dedicado, além de excelente orador, escritor, advogado e político.

Enfatizava a importância da razão e do autoconhecimento, acreditando ser a reflexão sobre a vida o caminho para a verdadeira felicidade.

Além disso, como diferencial, preocupou-se e se indispôs contra as desigualdades entre os homens, sendo avesso à escravidão e à distinção social.

Tem como umas de suas principais obras a "Sobre a brevidade da vida", um ensaio moral dedicado a seu amigo Paulino, pelo qual o autor discrimina vários princípios estoicos - entre eles a natureza do tempo e o tempo gasto na perseguição de objetivos sem valor.

"Nós sofremos mais na imaginação do que na realidade." - Sêneca
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2) Epicteto

Epicteto (55 d.C - 135 d.C), é um dos mais respeitados filósofos estoicos da Antiguidade e, ao lado de Sêneca e Marco Aurélio, faz parte da terceira fase estoica, chamada de “Novos Estoicos”*.

Escravo por muito tempo em Roma, após ser libertado dedicou sua vida à filosofia e aos ensinamentos sobre a verdadeira liberdade. Para ele, ser livre não dependia da posição social, mas da capacidade de controlar as próprias reações diante dos eventos da vida.

Na sua perspectiva, a essência do estoicismo estava na separação clara entre o que está sob o controle humano (ações, pensamentos e atitudes) e o que não está (as circunstâncias externas).

Seu ensinamento foi registrado principalmente no texto Manual e em alguns discursos assinados por seu discípulo Flávio Arriano, tendo em vista que ele próprio, assim como Sócrates, não deixou nada escrito.

Em tais obras o filósofo explora a importância da aceitação das adversidades com serenidade, refletindo em uma postura prática para enfrentar os desafios cotidianos.

Depois de exilado pelo imperador Domiciano, junto com outros filósofos romanos, decidiu abrir a própria escola, em Nicópolis, local onde faleceu anos mais tarde.

*

  • A primeira fase do estoicismo é representada Zenão de Cítio, Cleantes de Asso e Crisipo de Solunte (ou de Sole);
  • A segunda fase, ou médio estoicismo, é caracterizada pelos nomes de Panécio de Rodes e Posidônio.


“A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle, outras não” - Epicteto



3) Marco Aurélio

Marco Aurélio (121 d.C.a 180 d.C.) foi um dos mais célebres imperadores romanos, responsável pela autoria de uma obra bastante aclamada no estoicismo: o livro Meditações, um conjunto de reflexões pessoais que escreveu ao longo de sua vida.

Como líder do maior império da época, enfrentou inúmeras adversidades, tanto políticas quanto militares, o que o orientou ao estoicismo como ferramenta para contornar os desafios

Por esse motivo, ficou conhecido como o “monarca-filósofo”, cujo traço proeminente era valorizar os prazeres da alma e face daqueles do mundo material. Para ele, a vida se apresentava como uma oportunidade para agir de forma ética e virtuosa, independentemente das circunstâncias externas.

Embora fosse o homem mais poderoso de seu tempo, defendia uma visão mais humilde da existência, com a crença de que tudo na vida, inclusive a morte, deveria ser aceito com serenidade, uma vez que faria parte da ordem natural do universo.

"A felicidade da vida depende da qualidade de nossos pensamentos." - Marco Aurélio



Conheça também o que pensava Santo Agostinho, um dos mais importantes nomes da história da filosofia e teologia

Os três pensadores foram essenciais para o desenvolvimento e disseminação do estoicismo e também para a filosofia Ocidental, influenciando a observação do mundo e da vida ainda hoje.






Referências:

¹SANTOS, Kleys Jesuvina dos. A influência do estoicismo na filosofia de Foucault. Kinesis, Marília, v. 11, n. 28. 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/9140. Acesso em: 25 set. 2024.


GAZOLLA, Rachel. Representação compreensiva: critério de verdade e virtude no Estoicismo Antigo. Revista da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, v. 19, n. 2, 2006. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov-br.ez40.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W1511359753. Acesso em: 25 set. 2024.







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