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É possível praticar o estoicismo hoje? Livros, caminhos e dicas para praticar a filosofia
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É possível praticar o estoicismo hoje? Livros, caminhos e dicas para praticar a filosofia
O estoicismo tem reaparecido como uma resposta ao mundo moderno. Mas será realmente possível aplicar a filosofia aos dias atuais? Descubra!

Embora tenha se desenvolvido e aprofundado suas raízes há mais de 2000 anos, o estoicismo tem reaparecido como uma resposta ao complexo e desconfortável mundo moderno, marcado pelo esgotamento coletivo e pelas frustrações geracionais.

Tal filosofia, que é banhada em uma ideia de felicidade resiliente às adversidades e às influências externas, ganha adeptos e curiosos, cuja motivação se dá em direção comum: é realmente possível aplicar a práxis estoica nos dias de hoje?

Neste artigo vamos destacar algumas obras, cursos e dicas que podem oferecer uma resposta certeira ao questionamento, além de mostrar como viver de um modo mais estoico, mesmo em meio a tantas distrações.

Mulher deitada sobre a mesa, aparentando cansaço, com peso de pedras nas costas. Alusão ao estoicismo
O Estoicismo aplicado à modernidade surge como uma alternativa para amenizar os efeitos comuns da experiência humana superestimulada, oferecendo uma nova interpretação possível para a vida, para os desafios e para os problemas do cotidiano. Trata-se de uma filosofia que apresenta ferramentas para aprimorar a resiliência ao inevitável, incentivando a clareza emocional.


Recordação: o que é o estoicismo?

“A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle, outras não”. A expressão, de autoria um dos maiores filósofos estoicos da antiguidade - Epicteto, define com bastante clareza os pilares que sustentam o estoicismo.

Criada durante o período helenístico, ainda na Grécia Antiga, e tendo como pano de fundo a crença nas leis da natureza, essa vertente filosófica buscou explicar o sentido da vida a partir da racionalização e de uma proposta de aceitação do inevitável.

Na prática, estruturou um entendimento acerca da "felicidade" como um resultado dado àqueles que conseguiam desvencilhar-se das paixões avassaladoras e das emoções exageradas.

Ou seja, para o estoicismo a felicidade se materializava quando as emoções eram racionalizadas, assim como quando os episódios da vida eram entendidos como pertencentes todos à uma teia natural e inevitável de causas e efeitos.

Nessa perspectiva, os esforços e desejos de mudança humanos deveriam ser direcionados para as coisas passíveis de serem controladas e não para aquelas alheias à vontade dos homens, tal qual a morte.

Dessa forma, o estoicismo passou a ser caracterizado como uma filosofia prática, que orientava os indivíduos a viverem em harmonia com a natureza e a razão, buscando a virtude como um bem maior.

Para os estoicos, a vida virtuosa seria aquela baseada no agir lógico, ético e sereno, capaz de enfrentar os desafios com resiliência por entendê-los como pertencentes a uma ordem natural das coisas.

A abordagem, rigorosa e libertadora na mesma medida, faz com que o estoicismo seja uma ferramenta resgatada na modernidade para lidar com os novos desafios e contornos sociais, oportunizando a busca pelo equilíbrio mesmo em cenários turbulentos.


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O que é agir com estoicismo nos dias atuais?

A pergunta "é possível praticar o estoicismo nos dias atuais?" depende essencialmente da compreensão do que é o agir estoico nesse novo contexto.

Em meio à Era da Informação, aos dados gerados em velocidade exponencial, às demandas por performance e resultado e ao excesso de estímulos, o estoicismo apresenta uma bússola mental, que cultiva a clareza e a resiliência emocional como forma de melhor viver e sobreviver a este cenário.

Trata-se de uma aplicação da abordagem que incentiva o foco àquilo que é controlável, como as ações e reações individuais, ao passo que pratica a compreensão serena daquilo que escapa ao domínio pessoal.

Homem segurando um guarda-chuva, virado para parede com metas e planejamentos. Reflete a necessidade de entrega e resultado.
O estoicismo moderno incentiva uma leitura de mundo focada no controle do que se é controlável, ajudando a redefinir prioridades e a encontrar clareza em meio às exigências incessantes por desempenho e resultados.


Assim, no mundo contemporâneo, essas ideias podem se traduzir em práticas, como:

Gerenciar o tempo e a atenção Evitar dispersar energia com distrações ou preocupações improdutivas, dedicando-se ao que realmente importa, bem como ao autocuidado e auto escuta.
Reavaliar o conceito de sucesso Adotar uma perspectiva baseada na virtude e no progresso interno, afastando-se da busca contínua por uma validação externa ou padrões sociais inatingíveis.
Cultivar o autocontrole Responder às adversidades com calma e reflexão, resistindo aos impulsos imediatos ou a emoções exageradas, as quais podem comprometer o senso crítico e a tomada de decisão racional.
Praticar a gratidão e a perspectiva Reconhecer o valor das coisas e aprender a ressignificar os desafios como oportunidades de crescimento pessoal.



No cotidiano moderno, o estoicismo, uma filosofia para tempos de crise, continua emergindo como um consolo e como uma libertação de ilusões. Por isso, oferece uma base sólida para enfrentar crises pessoais ou profissionais, promovendo uma atitude resiliente frente a desafios inevitáveis.

Mauricio Marsola , professor de história e filosofia da Unifesp, contribui para a acepção do conceito, em um material produzido pela Casa do Saber:

“Para o estoicismo o mundo é um grande sistema composto de relações causais necessárias. É uma racionalidade plena, na qual todas as coisas concorrem para uma harmonia maior. A isso os estoicos chamam de logos (o que também pode ser compreendido como physis, ou Deus). Cabe a nós criarmos uma harmonia em nossa alma que reproduza a harmonia do cosmos”

Assista na íntegra:




3 livros para entender o estoicismo

Livros são uma excelente maneira de transportar as ideias filosóficas estoicas da Antiguidade para contemporaneidade, indicando um caminho para a prática da filosofia no cotidiano.

Nesse sentido, as obras selecionadas abaixo repercutem os princípios estoicos em seus diferentes tempos, além de apresentarem aplicações palpáveis do conceito e contextos históricos que ajudam na compreensão do pensamento filosófico em sua totalidade.

1) Diário estoico: 366 lições sobre sabedoria, perseverança e a arte de viver - Ryan Holiday e Stephen Hanselman

Uma das mais populares obras do movimento moderno de resgate ao estoicismo, o Diário Estoico propõe a leitura de 366 meditações baseadas em ensinamentos de grandes filósofos estoicos, como Sêneca, Marco Aurélio e Epicteto.

Seu objetivo é funcionar como um guia prático e acessível para quem deseja introduzir o agir estoico à sua rotina, cultivando a arte de viver bem. Para isso, Ryan Holiday e Stephen Hanselman instigam os leitores a expandir a compreensão do mundo e a experimentar novas maneiras de agir e pensar.

Encontrar o propósito da vida, lidar com perdas irreparáveis e o caminho para a felicidade verdadeira são apenas alguns dos tópicos abordados no texto.

Com os ensinamentos dos antigos estoicos, em uma metodologia meditativa a cada dia do ano, o livro proporciona uma reavaliação das percepções, atitudes e metas de vida.

2) Meditações - Marco Aurélio

Uma das mais influentes obras filosóficas de todos os tempos, Meditações transforma-se em uma janela direta para a mente de Marco Aurélio, o imperador romano conhecido como "imperador filósofo".

Escrito como um diário pessoal, o livro reúne reflexões sobre a busca pela virtude, a compreensão do universo e a arte de viver em harmonia com a natureza, mesmo em cenários inconstantes e desequilibrados.

Mesmo que inicialmente não tenha sido destinado à publicação, o texto se tornou um verdadeiro mantra para a prática estoica, atemporal e requisitada ao longo de várias décadas.

No projeto, Marco Aurélio menciona a necessidade da ponderação em meio às pressões, sobretudo aquelas relacionadas ao poder, assim como destaca os desafios do enfrentamento das incertezas e das dores inevitáveis da existência humana, priorizando a serenidade e o autocontrole.

As lições valiosas apresentadas, como a importância de aceitar o que não se pode controlar, focar no presente e viver de acordo com princípios éticos, têm sido incorporadas neste novo momento do estoicismo, guiando os adeptos a uma forma de praticar a filosofia de forma flexível e adaptada.




3) Sobre a Brevidade da Vida (De Brevitate Vitae) – Sêneca

Escrita por outro grande pensador estoico, esta obra concisa, mas profundamente impactante, aborda um dos temas centrais para o estoicismo: a natureza do tempo e as armadilhas de uma vida perpassada pelo negligenciamento.

Para Sêneca, a duração da vida importa à medida que escolhemos como iremos vivê-la. Ou seja, ele convida o leitor a refletir sobre a urgência do cultivo da totalidade interior, contrastando os valores culturais modernos guiados pela prosperidade material e pela produtividade incessante.

Argumenta ser o tempo o bem mais precioso existente, embora seja frequentemente tratado como infinito. Assim, o filósofo critica, sobretudo, a tendência humana de procrastinar, acumular riquezas sem propósito e buscar validação externa, ao invés de focar no desenvolvimento interno e nas relações significativas.

“A vida que recebemos não é curta, mas a tornamos desse modo; tampouco a temos de sobra, mas a desperdiçamos” - Sêneca


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4 cursos para aprender de forma rápida sobre o estoicismo

Os cursos são outra excelente oportunidade para mergulhar mais profundamente nos conceitos do estoicismo, a partir da orientação de especialistas que conectam essa filosofia ao mundo contemporâneo, entendendo como e onde aplicá-la. Veja três cursos recomendados para esse propósito:

  1. Aprender a Viver: Como a Sabedoria Pode Ser o Caminho para uma Vida Melhor

    Este curso explora como a sabedoria filosófica pode transformar o cotidiano. Para isso, oferece uma visão geral sobre as escolas filosóficas, com destaque para os estoicos, mostrando como seus ensinamentos podem ajudar a superar os desafios da vida moderna, como o tédio e a banalidade. “Como a sabedoria pode ser o caminho para uma vida melhor? Como aprender a viver e superar o tédio e a banalidade da vida cotidiana?”, essas são algumas das perguntas que a ementa do texto se dedica a responder.

  2. A Filosofia Como Forma de Vida: Estoicos, Epicuristas e Cínicos

    Focado na relação entre filosofia e prática de vida, este curso apresenta Sócrates e escolas como o Estoicismo, o Epicurismo e o Cinismo, refletindo sobre suas diferentes concepções de mundo e suas consequentes formas de vida. O curso explora, principalmente, como os pensadores dessas escolas propunham exercícios espirituais e uma arte de viver, conceitos que permanecem relevantes nos dias de hoje.

  3. Jornada da Filosofia: Vida e Morte no Ocidente

    Com uma abordagem interdisciplinar, este curso examina como o pensamento ocidental lida com a finitude humana. Ele conecta as raízes filosóficas do estoicismo com questões psicológicas e políticas, oferecendo uma compreensão mais ampla sobre como viver e morrer com significado e serenidade.

  4. Trilha da Filosofia | 2ª Temporada

    Esta série propõe uma jornada que aborda, de maneira introdutória, alguns dos principais pensadores, temas e conceitos da história do pensamento filosófico. Com a orientação dos professores Franklin Leopoldo e Silva e Oswaldo Giacoia Junior, o curso esclarece questões fundamentais para o aprendizado da filosofia. Como é o caso do pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.) e Santo Agostinho (354-430), do estoicismo e epicurismo do período helenístico. O curso também inclui temas como a Teoria do Justo Meio, os conceitos de Transcendência e Imanência, e a questão do espírito como a fonte principal de todo conhecimento, assim como Deus como fundamento radical do conhecimento.

Explore essas leituras e cursos para aprofundar seu conhecimento sobre o estoicismo e aprender a como praticar essa filosofia em sua vida cotidiana!

A plataforma Casa do Saber + tem uma categoria de cursos inteiramente dedicada ao estudo da filosofia, desde a antiguidade até os dias atuais. Acesse para assistir a todos os cursos indicados acima e muito mais.

Conclusão:

Ao final da leitura, devemos nos perguntar: é então possível praticar o estoicismo nos dias de hoje ou estamos condicionados a sucumbir às pressões de uma sociedade que prioriza o imediatismo e o materialismo?

Ou ainda, é realmente viável pensar em uma filosofia de práxis individual em meio a um sistema com falhas estruturais?

A resposta depende do ponto de vista a ser abordado, compreendendo que as filosofias apontam não para a solução absoluta de todos os dilemas humanos, mas para caminhos que auxiliam na reflexão, no enfrentamento das adversidades e na busca por uma vida mais alinhada aos próprios valores.

O estoicismo, nesse sentido, se destaca como uma prática acessível e adaptável ao cotidiano moderno, reconhecido por promover a resiliência individual diante das incertezas externas.

Embora seja interessante reconhecermos as limitações impostas pelo contexto social, destaca-se que o estoicismo também desafia o indivíduo a agir com virtude e propósito, independentemente das circunstâncias.

Em última análise, o estoicismo oferece um convite para olharmos mais profundamente para nós mesmos e para as circunstâncias à nossa volta.

Assim, mais do que uma resposta definitiva, essa escola filosófica antiga nos faz refletir sobre como podemos moldar nossas escolhas e atitudes para encontrar significado em meio ao caos.




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Referências

¹SANTOS, Kleys Jesuvina dos. A influência do estoicismo na filosofia de Foucault. Kinesis, Marília, v. 11, n. 28. 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/9140. Acesso em: 25 set. 2024.


GAZOLLA, Rachel. Representação compreensiva: critério de verdade e virtude no Estoicismo Antigo. Revista da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, v. 19, n. 2, 2006. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov-br.ez40.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W1511359753. Acesso em: 25 set. 2024.

O que é o estoicismo? Entenda os pilares, conceitos e significados
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O que é o estoicismo? Entenda os pilares, conceitos e significados
Criado há mais de 2000 anos, o estoicismo encontra adeptos ainda hoje. Entenda mais sobre a corrente filosófica marcada pela resiliência ao inevitável

Como reagir à imprevisibilidade da vida e qual o seu sentido? Essas são as principais questões do estoicismo, uma escola filosófica potente na Grécia Antiga, mas que ainda hoje produz efeitos significativos ao incentivar reflexões acerca da felicidade, desapego e apatia.

Neste texto você viajará rumo ao período helenístico, nos séculos IV, III e II a.C, para conhecer a importante filosofia estoica e o seu significado. Faremos isso a partir do seguinte roteiro:

  • O que é o Estoicismo
  • Os Pilares do Estoicismo
  • Estoicismo vs. Cinismo: Diferenças Essenciais
  • Os Principais Filósofos Estoicos: Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio


Pintura de Epicteto, um dos expoentes filósofos do estoicismo.
Ao lado de Marco Aurélio e Sêneca, Epicteto foi um dos expoentes filósofos estoicos (Fonte: Domínio Público)


O que é o Estoicismo?

A observação da vida e a busca pela explicação de seus fenômenos é um traço comum na história da Filosofia Ocidental, independentemente da sua escola. Cada uma delas se empenhou para explicar essa equação (e ainda o faz) por meio de argumentos complexos e bastante aprofundados.

No estoicismo não foi diferente. A doutrina filosófica, fundada durante o período helenístico, sobretudo nas leis da natureza, se debruçava sobre a compreensão do sentido da vida, tendo a lógica e a razão como aliadas para esse processo.

De forma geral, a abordagem estoica tinha a felicidade com um fim último e acreditava alcançá-la através da aceitação da inevitabilidade da vida e do cultivo de uma resiliência emocional diante das adversidades e do que era imprevisível.

Ou seja, para o estoicismo a felicidade poderia ser palpável a partir do momento em que as emoções eram racionalizadas, os episódios da vida eram entendidos como pertencentes a uma teia natural e inevitável de causas e efeitos, e os esforços/desejos de mudança humanos eram direcionados para as coisas passíveis de serem controladas e não para aquelas alheias à nossa vontade, tal qual a morte.

Por esse motivo, a felicidade estoica figura como um dos temas mais difundidos e importantes da filosofia. Mas como essa escola foi idealizada?

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De que forma o Estoicismo começou?

Zenão de Cítio (333 a.C - 263 a.C), seu precursor, foi influenciado pela Escola de Cínica, a qual defendia o desapego aos bens materiais e deu origem à expressão cinismo*, a estruturar uma corrente de pensamento alicerçada na ideia de uma vida simples, distante dos vícios e medos e mais próxima da virtude.

* A ideia de cinismo associado à falsidade trata-se de uma perspectiva contemporânea acerca do tema, afastada da sua concepção original. Na Grécia Antiga, o cinismo descrevia, na verdade, o movimento dos “filósofos do desapego”, ou seja, aqueles não aficionados com a matéria/bens.

Para isso, praticava o ensino por meio de uma lógica cosmopolita - realizada em um ambiente aberto chamado "stoá", que traduzido dá conta de algo como Pórtico (uma ágora utilizada para difundir os pensamentos filosóficos da época e para propiciar discussões intelectuais sobre os mais variados temas).

Ágoras, espaços nos quais os filósofos estoicos disseminavam suas ideias. Estrutura arquitetônica romana.
O Stoá Poikilé, ou Pórtico Pintado, era o espaço destinado à transmissão das reflexões estoicas, em uma estrutura de pensamento livre e dinâmico (Designed by Freepik)



É dessa tradição, praticada por Zenão e outros filósofos, que a palavra estoicismo toma forma e que a doutrina, criada inicialmente na Grécia Antiga, se populariza para outras regiões, tal qual Roma, sendo, inclusive, uma das bases do cristianismo

A partir disso, a filosofia estoica foi abraçada por grandes nomes, como Marco Aurélio, Epicteto e Sêneca, expandindo seu significado conforme as especificidades de cada tempo.

Na era moderna, por exemplo, Foucault usou o pensamento estoico para destacar a relevância do desenvolvimento de uma escuta bem conduzida¹.

"Aprender a Viver: Como a Sabedoria Pode ser o Caminho para uma Vida Melhor"

Um convite às descobertas do pensamento de expoentes que moldaram a filosofia, desde Platão, Sêneca, Aristóteles e Tomás de Aquino, a Descartes, Espinosa, Nietzsche


Características do estoicismo

Em resumo, o estoicismo acredita que o ser humano faz parte e é habitado pela natureza (physis - Φύσις, em grego), de modo que acompanhá-la é, de igual modo, agir segundo nosso próprio ser (GAZOLLA, 2006).

Por esse motivo, a perfeição e virtuosidade está na compreensão de uma ligação intrínseca entre homem e natureza, que orienta a busca pela felicidade a partir da negativa aos desejos e do estabelecimento de uma razão em conformidade com as leis naturais do universo.

De acordo com a escola, o ser humano é a própria natureza, afastando-se dela quando atormentado pelas paixões:

(...) se a natureza é dita perfeita, se é divina, se todos os seres são excelentes por ela e nela, e seu modo de mover-se é eterno, o reverso é perguntar sobre as perturbações da perfeição e como são possíveis. Ora, as perturbações do mover-se perfeito têm nome na Stoa: são as paixões pleonásticas ou exacerbadas (GAZOLLA, 2006, p. 189).


Assim, para entender o que é o estoicismo, basta que compreendamos também a sua perspectiva ética baseada na ataraxia (ou indiferença/apatia) como forma de driblar a tendência humanoide ao afastamento da physis (natureza).

Para seus pensadores, a vida era determinada inafastavelmente por uma força cósmica equilibrada e harmoniosa, sobre a qual a virtude se estabeleceria em uma existência experienciada conforme desígnios da physis.

Desse modo, deveriam ser evitados os desejos vazios, os excessos, as paixões perturbadoras e as coisas supérfluas, à medida que a razão e a lógica seriam privilegiadas.

Na filosofia estoica, então, agir virtuosamente seria reconhecer o potencial do ciclo cósmico infindável, aceitando as mudanças sobre as quais não se teria controle, posicionando-se com resiliência frente à elas, e dedicando-se a alterar somente aquilo que fosse possível, como, por exemplo, as reações ao “não programável”.

Por essa razão, a máxima estoica é descrita como “a vida deve seguir a natureza", tese de autoria de Zenão.

Leis da Natureza Imutáveis O agir estoico
Morte Priorizar a qualidade de vida
Mudanças Aceitar a impermanência
Sofrimento Cultivar resiliência emocional
Incerteza Focar no controle sobre as próprias reações
Limitações humanas Buscar autoconhecimento e desenvolvimento pessoal
Destino Agir com virtude, aceitando o que não se pode mudar
Ciclo da vida Viver no presente. Valorizar cada momento


O estoicismo, estruturado há mais de 2 mil anos, continua reverberando suas reflexões e conquistando adeptos ao longo da história

Nos tempos contemporâneos, marcados pelos excessos (de informação, produção, consumo, acúmulo, entre outros), oferece respostas apaziguadoras para o ambiente caótico, pressionado cada vez mais pelo ritmo acelerado das transformações digitais.

Leia também:

“Por que estamos tão esgotados? Como a filosofia de Byung-Chul Han (Sociedade do Cansaço) nos oferece uma resposta!”


Assim, podemos definir o estoicismo como uma escola filosófica que procura dar respostas à inquietação humana, propondo um modo de vida sereno e guiado pela racionalização.

Trata-se de um exercício para privilegiar a razão como ferramenta para lidar com as emoções, afastando os vícios e cultivando as virtudes.

Mauricio Marsola , professor de história e filosofia da Unifesp, contribui para a acepção do conceito, em um material produzido pela Casa do Saber:

“Para o estoicismo o mundo é um grande sistema composto de relações causais necessárias. É uma racionalidade plena, na qual todas as coisas concorrem para uma harmonia maior. A isso os estoicos chamam de logos (o que também pode ser compreendido como physis, ou Deus). Cabe a nós criarmos uma harmonia em nossa alma que reproduza a harmonia do cosmos”

Assista na íntegra:



Os componentes e os pilares do estoicismo

Como vimos, o estoicismo propõe uma lógica de pensamento realista, que não idealiza o mundo, mas sim o aceita tal como é.

Nesse contexto, a apatheia (indiferença às emoções perturbadoras da paixão) é compreendida como um pré-requisito para um estado de paz interior, conhecido como ataraxia.

Componentes do estoicismo

Para concretizar a sua doutrina e tornar o objetivo acima factível, o estoicismo sugere ainda um sistema para pensar a filosofia, metaforicamente, como um organismo vivo, interconectado e interdependente, assim como formado por três componentes:

"Os antigos estóicos, como se sabe, criam um interessante sistema para pensar a Filosofia no qual todas as partes, absolutamente interligadas, são metaforicamente expostas como se fosse um organismo. Uma das metáforas é a de que os ossos e nervos seriam a Lógica, a carne seria a Ética e a alma, a Física" (GAZOLLA, 2006, p. 185)


Pilares do estoicismo

Além disso, a sabedoria estoica se traduz no exercício de um trabalho de consciência interior, que leva em consideração os campos que podem ser realmente modificados pelo ser humano.

Nesse sentido, surgem as virtudes cardeais, também enquadradas como os 4 pilares ou modos de atuação do estoicismo, quais sejam:

  1. Sabedoria: entender as dinâmicas do mundo de uma maneira lógica e calma, com discernimento sobre o que é realmente importante. Fazemos isso por meio da meditação, da leitura de textos filosóficos, do ensino, e através das nossas experiências.

  2. Justiça: agir com equidade e sem impulsividade, considerando as consequências das ações em relação ao próximo.

  3. Coragem: ter o conhecimento do que deve ser temido e o que deve ser suportado, sendo uma ferramenta incrível para o enfrentamento das adversidades com bravura.

  4. Moderação (ou Temperança): equilibrar os desejos, minimizar os vícios e experimentar as virtudes. Trata-se de evitar os excessos e buscar constantemente a harmonia.


Para o estoicismo, esses 4 pilares, que se complementam e se retroalimentam, performam a base da virtuosidade plena.




Estoicismo vs. Cinismo: Diferenças Essenciais

As duas correntes emergiram na Grécia Antiga, compondo as chamadas filosofias helenísticas - as quais são caracterizadas por se preocuparem com a ética, felicidade e bem-viver.

Porém, embora se entrelacem e se aproximem em uma ideia central (busca por uma harmonia com a natureza), tais escolas possuem diferenças significativas, sobretudo quanto à radicalidade das suas percepções.

Enquanto o cinismo enfatiza o desapego e a rejeição total das convenções sociais, o estoicismo busca uma aceitação ativa da realidade, propondo a virtude como um caminho para a felicidade.

Estoicismo Cinismo
Principais Expoentes Sêneca, Epicteto, Marco Aurélio. Diógenes de Sinop, Crates de Tebas.
Visão de Mundo Harmonia entre homem e universo. Rejeição das normas e convenções sociais
Relação com a Virtude Aceitação e racionalidade. Desprezo pelas convenções e comodidades.
Conceito de Felicidade Alcançada por meio da aceitação do inevitável e da busca pela mudança daquilo que pode ser controlado. Encontrada na harmonia com a natureza.
Autonomia Aceitação do que não se pode controlar. Autarquia e controle sobre a própria vida.


Os Principais Filósofos Estoicos

1) Sêneca

Nascido em 4 a.C, Sêneca foi um dos mais influentes filósofos e o principal expoente do estoicismo no Império Romano.

Faleceu em Roma, no ano 65 d.c, acusado de conspiração contra o imperador Nero, mesmo que tivesse sido seu preceptor anteriormente. O episódio é narrado no quadro “A Morte de Sêneca”, de Jacques-Louis David (1748–1825).

Pintura a morte de Sêneca
La morte di Seneca, olio su tela, Musée du Petit-Palais, Parigi, de Jacques-Louis David (1748–1825) (Fonte: Domínio Público). Acusado, junto a Pisão, de conspiração para o assassinato planejado de Nero, Sêneca foi obrigado a tirar a própria vida. Não houve qualquer tipo de julgamento. O quadro retrata o momento em que o filósofo cumpre seu destino na presença de amigos.



Entrou para a história não só como um exímio filósofo, como também um humanista dedicado, além de excelente orador, escritor, advogado e político.

Enfatizava a importância da razão e do autoconhecimento, acreditando ser a reflexão sobre a vida o caminho para a verdadeira felicidade.

Além disso, como diferencial, preocupou-se e se indispôs contra as desigualdades entre os homens, sendo avesso à escravidão e à distinção social.

Tem como umas de suas principais obras a "Sobre a brevidade da vida", um ensaio moral dedicado a seu amigo Paulino, pelo qual o autor discrimina vários princípios estoicos - entre eles a natureza do tempo e o tempo gasto na perseguição de objetivos sem valor.

"Nós sofremos mais na imaginação do que na realidade." - Sêneca
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2) Epicteto

Epicteto (55 d.C - 135 d.C), é um dos mais respeitados filósofos estoicos da Antiguidade e, ao lado de Sêneca e Marco Aurélio, faz parte da terceira fase estoica, chamada de “Novos Estoicos”*.

Escravo por muito tempo em Roma, após ser libertado dedicou sua vida à filosofia e aos ensinamentos sobre a verdadeira liberdade. Para ele, ser livre não dependia da posição social, mas da capacidade de controlar as próprias reações diante dos eventos da vida.

Na sua perspectiva, a essência do estoicismo estava na separação clara entre o que está sob o controle humano (ações, pensamentos e atitudes) e o que não está (as circunstâncias externas).

Seu ensinamento foi registrado principalmente no texto Manual e em alguns discursos assinados por seu discípulo Flávio Arriano, tendo em vista que ele próprio, assim como Sócrates, não deixou nada escrito.

Em tais obras o filósofo explora a importância da aceitação das adversidades com serenidade, refletindo em uma postura prática para enfrentar os desafios cotidianos.

Depois de exilado pelo imperador Domiciano, junto com outros filósofos romanos, decidiu abrir a própria escola, em Nicópolis, local onde faleceu anos mais tarde.

*

  • A primeira fase do estoicismo é representada Zenão de Cítio, Cleantes de Asso e Crisipo de Solunte (ou de Sole);
  • A segunda fase, ou médio estoicismo, é caracterizada pelos nomes de Panécio de Rodes e Posidônio.


“A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle, outras não” - Epicteto



3) Marco Aurélio

Marco Aurélio (121 d.C.a 180 d.C.) foi um dos mais célebres imperadores romanos, responsável pela autoria de uma obra bastante aclamada no estoicismo: o livro Meditações, um conjunto de reflexões pessoais que escreveu ao longo de sua vida.

Como líder do maior império da época, enfrentou inúmeras adversidades, tanto políticas quanto militares, o que o orientou ao estoicismo como ferramenta para contornar os desafios

Por esse motivo, ficou conhecido como o “monarca-filósofo”, cujo traço proeminente era valorizar os prazeres da alma e face daqueles do mundo material. Para ele, a vida se apresentava como uma oportunidade para agir de forma ética e virtuosa, independentemente das circunstâncias externas.

Embora fosse o homem mais poderoso de seu tempo, defendia uma visão mais humilde da existência, com a crença de que tudo na vida, inclusive a morte, deveria ser aceito com serenidade, uma vez que faria parte da ordem natural do universo.

"A felicidade da vida depende da qualidade de nossos pensamentos." - Marco Aurélio



Conheça também o que pensava Santo Agostinho, um dos mais importantes nomes da história da filosofia e teologia

Os três pensadores foram essenciais para o desenvolvimento e disseminação do estoicismo e também para a filosofia Ocidental, influenciando a observação do mundo e da vida ainda hoje.






Referências:

¹SANTOS, Kleys Jesuvina dos. A influência do estoicismo na filosofia de Foucault. Kinesis, Marília, v. 11, n. 28. 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/9140. Acesso em: 25 set. 2024.


GAZOLLA, Rachel. Representação compreensiva: critério de verdade e virtude no Estoicismo Antigo. Revista da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, v. 19, n. 2, 2006. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov-br.ez40.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W1511359753. Acesso em: 25 set. 2024.







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Saiba o que é Filosofia, o que estuda e principais pensadores. Veja a lista de melhores cursos para estudar à distância, do introdutório ao avançado.

Entenda o que é Filosofia, como ela surgiu e sua importância para o mundo. Vamos conhecer os períodos e principais pensadores que marcaram a história da Filosofia, as áreas de estudo, além dos melhores cursos à distância para aprender sobre esta área do conhecimento.

Quais os passos para estudar Filosofia?

É comum as pessoas entenderem que estão filosofando (e de fato o estão) ao se verem introspectivas refletindo sobre qual o sentido da vida, observando as árvores, animais, as estrelas e ao se espantarem diante da grandeza do universo em contraste com a pequenez do homem.

Estruturar o pensamento filosófico, no entanto, está longe de ser uma tarefa simples. É possível acessar um material rico já construído por mentes brilhantes com reflexões e métodos que servem como guia para se construir o saber filosófico.

Por isso, além de explorar uma inquietação filosófica espontânea, aprender filosofia significa essencialmente se debruçar sobre a própria história da filosofia, seus conceitos e métodos.

O que a Filosofia estuda?

Este campo do saber procura investigar as nossas origens, a existência, as transformações observadas na natureza, e as relações e experiências do homem no mundo.

A partir da curiosidade, questionamentos e observações sobre o que está à nossa volta, é possível filosofar sobre tudo o que possa provocar espanto, despertar dúvidas ou admiração. Dentro de seu estudo sistematizado, encontramos diversas áreas de investigação.

Um exemplo é o estudo da Ética, onde a filosofia se propõe a refletir sobre valores morais e as ações humanas, levanta questões sobre a definição do que é o bem e o mal, o certo e o errado ou o conceito de justiça.

Outro ramo é a Estética, em que o interesse está focado na experiência artística, sendo possíveis questionamentos sobre a concepção do que é considerado belo ou a reflexão sobre o papel da arte na sociedade. Estes são apenas alguns exemplos das muitas ramificações possíveis para desenvolver o pensamento filosófico.

pintura escola de atenas, de rafael sanzio
Afresco "A Escola de Atenas", de Rafael Sanzio, que apresenta Platão e Aristóteles ao centro.(Wikimedia Commons)

Quem pode estudar Filosofia?

Pelo seu aspecto livre e universal, a filosofia é acessível a todas as pessoas que desejam se lançar ao estudo da área, abarcando desde a trajetória acadêmica formal ao puro desejo pessoal de estudar a existência e as questões que nos concernem.

Dentro deste espaço de aprendizado, encontramos diferentes ramos de estudo - como moral, ética, política, religião, epistemologia - diversos pensadores e períodos históricos, além de tratar de dilemas ancestrais até questões contemporâneas. Em cada campo mencionado, há um universo inesgotável de possibilidades de investigação e estudo.

A Filosofia não implica em uma posição de posse do saber, mas uma prática do pensar a realidade pela razão. Por isso, seu estudo não se limita apenas ao caminho acadêmico. A Filosofia é para todos aqueles que têm curiosidade de saber, que desejam questionar, se debruçar nas questões levantadas por grandes pensadores e analisar criticamente a realidade, trilhando um caminho próprio em busca da verdade.

Por onde começar a estudar Filosofia?

A construção de aprendizado nesta área do saber é subjetiva e marcada por um exercício constante de elaboração em relação aos mistérios da vida. Para começar os estudos em Filosofia , sabemos que é necessário traçar minimamente um caminho para início da jornada.

Os estudos iniciais geralmente tomam por partida o pensamentos de filósofos ocidentais, como Sócrates, Platão e Aristóteles, através de textos considerados fundamentais, como a obra “O Banquete”, de Platão. Porém, indicar a leitura dos textos pode não ser o suficiente para a devida compreensão do tema.

Por isso, passaremos ponto a ponto pela história da filosofia, grandes pensadores e áreas de estudo para que você consiga entender um pouco mais sobre o percurso e encontrar as melhores opções de cursos de filosofia.

O que é Filosofia e como surgiu?

Traçar uma definição clara e simples da filosofia é uma tarefa desafiadora, pois sua estrutura conceitual é baseada em uma linguagem complexa e necessita de um certo conhecimento prévio na área para compreendê-la em essência. É da natureza da filosofia não contar com respostas imediatas.

A filosofia é um livre saber que se baseia na razão para explicar a realidade a partir do uso de conceitos. A palavra "filosofia" (do grego φιλοσοφία) resulta da união de outras duas palavras:

- "philos” - significa "amizade", "amor fraterno" (não no sentido erótico), desejo intenso por algo e respeito entre os iguais.

- "sophia” - significa "sabedoria", "conhecimento".

Filosofia significa, portanto, amizade ou amor pela sabedoria, amor e respeito pelo saber ou pelo conhecimento. A partir da Filosofia, o homem pode caminhar em direção à autonomia para pensar sobre si mesmo e o mundo e, por isso, carrega um sentido de liberdade. É um exercício do pensar e constante busca pelo saber, uma atitude que não se submete a nenhuma forma de controle ou qualquer outro conhecimento.

A origem da filosofia remonta à Grécia Antiga, no século VI a.C, e marca a transição do pensamento mítico para o da razão. Surge não por uma pergunta teórica ou alguma questão efetiva, mas a partir da admiração diante de fenômenos que ultrapassam o poder do conhecimento e provocam curiosidade, temor e espanto.

À época, fenômenos naturais que não podiam ser explicados, como a noção de finitude marcada pela vida e morte, a mudança das estações ou a transição entre dia e a noite, eram ilustrados por meio de mitos.

Os mitos eram narrativas que pretendiam explicar a origem dos deuses e do universo de forma fantasiosa e sobrenatural, onde eram representados os fenômenos da natureza, os sentimentos humanos e as contradições presentes na sociedade.

Mito de Perséfone: a mudança das estações pela mitologia grega

imagem antiga retratando mito de perséfone e hades exposta no British Museum,em Londres
Representação de Perséfone e Hades - Vulci, c. 440-430 BCE. (British Museum, London)

Segundo conta a mitologia grega, Perséfone era filha de Zeus com Deméter, deusa da colheita e da agricultura. Um dia, ao ver a jovem colhendo flores em uma pradaria, Hades, o deus do submundo, se apaixona por Perséfone e a sequestra.

Enfurecida e entristecida pelo sumiço da filha, Deméter deixa o Olimpo e passa a não cumprir suas funções de colheita, tornando o solo da Terra estéril. Ao notar a devastação causada pela ausência de Deméter, Zeus envia o mensageiro Hermes ao submundo para negociar a libertação de Perséfone. No entanto, sem saber das consequências, a jovem havia ingerido sementes de romã oferecidas por Hades, fato que criou uma ligação eterna com o submundo e que a impediu de deixá-lo permanentemente.

Assim, foi feito um acordo: Perséfone viveria dois terços do ano com Deméter, representado o período de boa colheita, quando Deméter estava contente pela chegada da filha (primavera e verão) e um terço do ano com Hades, representando o período de dificuldade na colheita, pois Deméter estava infeliz por conta do regresso da filha para o submundo (outono e, principalmente, inverno)

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Por que a Filosofia surgiu na Grécia?

Há diferentes teses sobre esta questão. Uma delas é conhecida como “Milagre Grego”, em que se acreditava que a Filosofia surgiu de maneira única, inesperada e espontânea na Grécia , como defendia o historiador Diógenes Laércio (180-240 d.C).

Outra vertente considera que as transformações vivenciadas pelos gregos se deram por conhecimentos advindos dos povos “orientais”, através de uma herança dos egípcios, caldeus, babilônios e persas, contribuindo para que florescessem conhecimentos como geometria, astrologia e meteorologia.

Por uma visão histórica, é possível constatar que a topografia da região facilitou a construção de portos, viagens marítimas e intercâmbio econômico. Isso levou os gregos ao contato com outras civilizações e seus diferentes mitos, trazendo descrença e busca por explicações mais racionais sobre o mundo.

mapa do mundo grego referente ao período histórico de início da filosofia
Mapa do mundo grego - Reprodução: Livro “Iniciação à História da Filosofia - dos pré-socráticos a Wittgenstein, de Danilo Marcondes


Quais foram os primeiros filósofos?

A estrutura e modelo político desenvolvidos nas polis gregas, propiciaram o surgimento dos primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos. Eles se concentravam na pergunta e busca pelo arché, que seria o elemento primordial a que todas as outras coisas se derivam, a substância primeira capaz de constituir todo o universo e tudo o quanto existe na realidade.

Tales de Mileto (sec. VII e VI a.C) é considerado o primeiro filósofo da História. Marcou o rompimento em relação ao mito ao questionar racionalmente a natureza, buscando compreender o mundo a partir da investigação e não se satisfazendo com as respostas fantásticas e sobrenaturais colocadas pela mitologia. Ele propôs que a água era a substância fundamental e que compunha todas as coisas que existiam no mundo.

Não à toa os filósofos pioneiros são chamados de pré-socráticos. Esta definição já indica a importância do legado deixado por Sócrates, que contribuiu de forma consistente para o início e desenvolvimento do período conhecido como filosofia clássica, seguido por Platão e Aristóteles. A partir de então, a disciplina se desenvolve com métodos mais sistemáticos e analíticos de investigação, e se expande para áreas como´ética, política, lógica e epistemologia.

Para entendermos melhor essa caminhada, vamos conferir os períodos que marcam a filosofia e um pouquinho da característica de cada um deles.

Imagem de Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo
Imagem de Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo da História. (Wikimedia Commons)


Conheça os períodos e grandes pensadores da Filosofia

Os períodos da Filosofia são marcados por diversas condicionantes, que refletem mudanças estruturais e impactam no modo de vida da sociedade. Acontecimentos históricos, descobertas científicas e tecnológicas, mudanças políticas, entre outros fatores são determinantes para uma mudança de comportamento em relação ao modo de se pensar e se viver no mundo.

As ideias propostas por grandes pensadores, advindas de suas reflexões e expostas em suas obras, contribuem de forma substancial para esta demarcação entre os períodos. Confira a lista dos períodos abaixo:

  • Filosofia Antiga (séc.VI a.C. até sec. V d.C):

    Este período marca o início da Filosofia , que começou na Grécia Antiga e se estendeu até ao mundo romano. Foi iniciada pelos Pré-Socráticos, com as investigações sobre a natureza, ordem e origem do mundo (cosmologia) e seguiu com Sócrates, Platão e Aristóteles, que trouxeram as atenções para o homem (“conhece-te a ti mesmo”) e estabeleceram as bases da ética, epistemologia e metafísica ocidentais. No período helenístico, escolas como o Estoicismo e o Epicurismo focaram na ética prática e na busca pela felicidade.

    ⭐ Pensadores do período da Filosofia Antiga:

    Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímees, Heráclito, Pitágoras, Parmênides e Zenão.

  • Filosofia Medieval (séc. V d.C até séc XV d.C):

    Este longo período histórico vai do final do helenismo até o Renascimento e o início do pensamento moderno e marca a fusão da filosofia grega com as tradições religiosas, como o cristianismo. Os principais temas incluíam a relação entre fé e razão, a natureza de Deus, a existência da alma e a moralidade.

    A maior parte da produção conhecida como “filosofia medieval”, porém, está concentrada entre os séculos XII e XIV, período do surgimento e desenvolvimento da escolástica. Filósofos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, buscaram integrar o pensamento racional à fé religiosa. Esse período foi essencial para o desenvolvimento da filosofia e ciência modernas.

    ⭐ Pensadores do período da Filosofia Medieval:

    Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Anselmo de Cantuária, Boécio, Duns Scotus, Guilherme de Ockham e Avicena (Ibn Sina).

  • Filosofia Moderna (séc. XVII d.C até XIX d.C):

    A filosofia moderna representa um movimento centrado na ideia de progresso e valorização da subjetividade. Impulsionado pela queda do regime feudal, ascensão burguesa, descobertas científicas e declínio da influência da Igreja Católica, a filosofia passa a operar pela razão e empirismo científico.

    Pensadores como Descartes, Locke, Kant, Spinoza e Hume exploraram o conhecimento, a mente humana e a realidade. Esse período destacou a importância da liberdade, do governo e dos direitos humanos, influenciando a ciência, a política e a ética. O Iluminismo enfatizou a razão e a ciência como caminhos para o progresso, enquanto Hegel e Marx moldaram debates filosóficos e sociais que são relevantes até os dias de hoje.

    ⭐ Pensadores do período da Filosofia Moderna:

    René Descartes, Immanuel Kant, John Locke, David Hume, Baruch Spinoza, Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, Francis Bacon, G.W.F. Hegel, Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Karl Marx.

  • Filosofia Contemporânea (séc. XX - atualmente):

    Abarcando o início do século XX até os dias atuais, o período abrange uma ampla gama de temas que refletem as profundas mudanças sociais, políticas e tecnológicas. Pensadores como Sartre, Foucault, Derrida e Deleuze exploraram questões fundamentais como a natureza da existência, o exercício do poder, a linguagem e a construção da identidade.

    Já o movimento analítico, representado por Wittgenstein e Russell, concentrou-se na lógica e na análise da linguagem como instrumentos centrais de investigação filosófica. Temas como ética, direitos humanos, feminismo e desafios contemporâneos relacionados à questões ambientais e tecnológicas são evidenciados neste período. Este cenário apenas comprova a importância do estudo contínuo e relevância da filosofia para pensarmos os dilemas e as complexidades do mundo atual.

    ⭐ Pensadores do período da Filosofia Contemporânea:

    Jean-Paul Sartre, Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Martin Heidegger, Ludwig Wittgenstein, Simone de Beauvoir, Hannah Arendt e Jürgen Habermas

Foto da “O pensador”,de Auguste Rodin, escultura de homem com a mão no queixo pensando filosoficamente, exposta no Musée Rodin, em Paris, na França.
Escultura “O Pensador”, obra-prima de Auguste Rodin. Representa a introspecção, contemplação e a intelectualidade. Reprodução: Site Musée Rodin

“O que faz meu Pensador pensar é que ele pensa não só com o cérebro, mas também com suas sobrancelhas tensas, suas narinas distendidas e seus lábios comprimidos. Ele pensa com cada músculo de seus braços e pernas, com seus punhos fechados e com seus artelhos curvados”

- citação de Auguste Rodin sobre a própria obra.



Conheça as áreas de estudo da Filosofia

Entender as ramificações da filosofia é um passo interessante para vislumbrar os passos de investigação na área.

Confira de forma um pouco mais detalhada algumas das principais ramificações da Filosofia abaixo:

  • Metafísica:

    Você já parou para refletir sobre o que é a alma ou mesmo a existência?

    Essas são algumas das perguntas abordadas pelos filósofos nesta área de estudo. A palavra metafísica vem de um vocábulo grego que significa “depois da física” ou “além do físico”, por isso investiga a realidade como um todo e o que está além do mundo físico e da experiência de nossos sentidos.

  • Epistemologia:

    O que é a verdade? Ela é subjetiva ou objetiva? Como definir quais fontes de conhecimento são válidas e por que algumas ideias têm mais espaço do que outras?

    Conhecida como “teoria do conhecimento”, este é um dos campos principais da filosofia, onde se estuda a relação do sujeito com o conhecimento, os tipos de conhecimento e em que investiga-se sua origem, limites e validade.

  • Ética:

    Esta área se debruça sobre questões morais e as ações humanas como uma ciência do bom comportamento para construir uma vida boa para o todo em sociedade.

    Busca refletir sobre bem e mal, bom e ruim e levantar debates sobre condutas de comportamento humano como a definição do que é certo e errado e a noção de justiça.

  • Estética:

    Ao visitar um museu, é possível que você escute alguém questionando a beleza das obras expostas. Afinal como - ou quem - define o que é o belo?

    Conhecida também como “Filosofia da Arte” , a estética se dedica a estudar o conceito do que é belo e do fenômeno artístico, refletindo sobre percepções e sensações para além do gosto pessoal de cada um, mas levando em conta também a natureza da criatividade na arte e aspectos culturais.

  • Filosofia Política:

    Ao longo da história, presenciamos diversos tipos de ideologias e formas de governar. Este ramo da filosofia busca refletir sobre a natureza do poder, da justiça, igualdade, direitos e liberdade.

    Por que um governo precisa existir, o que o torna legítimo e de que forma ele se estabelece? O que é cidadania e qual a sua importância da participação política? A política está presente na vida social de todos e as perguntas feitas pela filosofia são de grande importância para a sociedade.

  • Lógica:

    A lógica é utilizada para construir e validar raciocínios, distinguindo o que é correto e o que é incorreto no intuito de encontrar um resultado verdadeiro.

    A partir de diferentes métodos, como dedução e indução, direciona a linha de pensamento para uma conclusão que seja coerente. Confira abaixo um exemplo de silogismo, modelo dedutivo introduzido por Aristóteles:

    1ª premissa: Todos os homens são mortais

    2ª premissa: Sócrates é homem

    Conclusão: Sócrates é mortal.

Agora que já entendemos um pouco mais sobre a história da filosofia e suas áreas de estudo, vamos conferir uma lista com os melhores cursos de filosofia para você estudar à distância?

Melhores cursos online de Filosofia com certificado

Até aqui aprendemos algumas informações importantes sobre a Filosofia, mas como começar a de fato a estudar os métodos, conceitos e enriquecer a caminhada em busca de respostas às questões filosóficas de forma mais satisfatória e menos “aventureira”? Separamos cursos por alguns recortes que podem auxiliá-lo nesta empreitada em busca de conhecimento.

Indicaremos cursos de filosofia relacionados especificamente a períodos históricos, cursos focados na vida e obra de pensadores, grandes questões da humanidade ou em áreas de estudo da Filosofia. Todos os cursos listados geram certificado de conclusão.

Cursos introdutórios sobre Filosofia

Para todo início, precisamos “começar do começo”. Considere partir por aqui se você está tendo o primeiro contato com Filosofia e gostaria de ser apresentado a ela antes de seguir para caminhos mais profundos na área.

  • Introdução à Filosofia, por Franklin Leopoldo e Silva
    07 aulas | Duração (50 min)

    Este curso é bem interessante para quem está buscando algo bem introdutório. Nele, o professor Franklin Leopoldo e Silva explica sobre o surgimento da Filosofia de maneira leve, clara, sem abordar conceitos complexos e difíceis de assimilar para um iniciante.

    O curso ajuda a entender como o início da Filosofia contribuiu para criar as bases teóricas do conhecimento e que definiram o ponto de partida para a ciência.

  • Assistir ao curso



  • Introdução à Mitologia Grega, por Julia Myara
    02 aulas | (50 min)

    Se a Filosofia surgiu na Grécia Antiga e marcou uma transição do mito para a razão, é interessante conhecer um pouco sobre a mitologia grega.

    Conheça a origem do mito, as primeiras gerações de Deuses e entenda como essa concepção de mundo sustentava a compreensão dos gregos em relação à existência.

  • Assistir ao curso



  • Para Começar a Estudar Filosofia, por Mauricio Pagotto Marsola
    08 aulas | (3h03)

    Este curso traça um bom caminho para efetivamente iniciar os estudos na área.

    Você será apresentado a obras fundamentais que servem como base para o aprendizado da Filosofia, como “O Banquete”, de Platão, e terá um panorama sobre pensadores e ideias que alicerçam o pensamento filosófico.

  • Assistir ao curso



Cursos sobre as áreas de estudo da Filosofia

Vimos anteriormente neste texto, que a Filosofia tem algumas áreas de estudo. Seguem abaixo algumas opções de cursos relacionados às áreas de investigação da disciplina para que você possa se debruçar:

  • Jornada da Filosofia: Ética, por Douglas Rodrigues Barros
    06 aulas | (2h57)

    Como a ética pode contribuir para uma vida boa para o todo na sociedade?

    Reflita sobre público e privado, certo e errado, justo e injusto e desenvolva recursos de pensamento a partir da introdução às ideias de diferentes pensadores a respeito do tema.

  • Assistir ao curso



  • Jornada da Filosofia: O que é Beleza?, por Eduardo Wolf
    06 Aulas | (3h03)

    Como entender a Beleza para além do gosto pessoal? Seja introduzido à história do conceito de beleza ocidental.

    Entenda como os gregos a enxergavam, tenha um panorama sobre o ponto de vista da Filosofia e compreenda a importante relação da beleza com a maneira como lidamos com o mundo e a vida em sociedade.

  • Assistir ao curso



  • Jornada da Filosofia: Saber, por Suze Piza
    07 aulas | (3h56)

    Por que as afirmações e hipóteses de alguns têm mais espaço e aceitação do que outras?

    Debruce-se pela epistemologia, área de estudo da Filosofia que investiga o conhecimento, suas origens e conceitos sobre a verdade e tenha uma perspectiva da filosofia refletida sobre ela mesma e outros saberes.

  • Assistir ao curso


Cursos sobre períodos históricos da Filosofia

Nesta série, o professor Paulo Niccoli Ramizes apresenta o "Guia Essencial da Filosofia", traçando um panorama com os pontos mais importantes, mudanças, grandes pensadores e as questões trabalhadas no período destacado no curso.

Cursos sobre grandes pensadores da Filosofia

Uma boa maneira de estudar Filosofia é compreender a vida, obra e visão de mundo do filósofo em específico. Confira algumas indicações de cursos neste sentido:

  • Os pensadores: Aristóteles, por Franklin Leopoldo e Silva
    04 aulas | (1h51)

    Entenda a importância e legado de Aristóteles para a Filosofia.

    O curso aborda o pensamento aristotélico e mostra que ele entendia a virtude como a melhor maneira de agir nas ocasiões que se apresentam durante a vida, pois depende, em grande parte, do uso da razão.

  • Assistir ao curso



  • Um dia com Spinoza, por Clóvis de Barros Filho
    07 aulas | (2h54)

    Nascido em Amsterdã em uma família de origem portuguesa, Espinosa (1632-1677) é um dos nomes mais importantes da filosofia moderna.

    Neste curso, os conceitos do pensador sobre ética, Deus e paixões são abordados pelo professor Clóvis de Barros Filho.

  • Assistir ao curso



  • Nietzsche: Vida, Obra e Legado, por Scarlett Marton
    08 aulas | (1h35)

    Seja introduzido ao pensamento de um dos filósofos mais conhecidos (e mais controversos) da história: Friedrich Nietzsche.

    Criador do termo "Übermensch" e da concepção filosófica do "Eterno Retorno" , acreditava que o homem precisava superar seus próprios valores para alcançar a evolução.

  • Assistir ao curso


Cursos de Filosofia sobre temas atuais

A Filosofia permanece viva e atual, trazendo uma visão crítica sobre o modo que vivemos, levantando questões importantes sobre a dinâmica neoliberal, feminismo, questões ecológicas, entre outros assuntos. Conheça alguns cursos de filosofias interessantes para se debater os dilemas contemporâneos abaixo:

Esperamos que este texto tenha te ajudado a compreender melhor sobre o que é Filosofia, suas áreas de estudo, períodos e grandes pensadores.

Se você tem sede por conhecimento e deseja aprender mais sobre Filosofia com professores de referência, conte com os cursos da plataforma Casa do Saber +!




Antropocentrismo: o que é, conceitos, bases e controvérsias
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Antropocentrismo: o que é, conceitos, bases e controvérsias
Entenda o que é o antropocentrismo, como essa doutrina filosófica influenciou as ciências ocidentais e porquê ela é questionada atualmente.

Se você busca um resumo sobre o antropocentrismo, seus conceitos, ideias, além de um aporte sobre qual visão essa corrente defende, está no lugar certo. Ao longo desse artigo, vamos destrinchar o tema a partir do seguinte guia:



De forma geral, podemos definir o antropocentrismo como um conceito filosófico que acredita na importância e preponderância do potencial humano, principalmente em comparação às demais coisas que compõem o universo.

Ou seja, tem como objeto de estudo o ser humano, compreendendo-o como um ser dotado de inteligência e que, por isso, é capaz de usar a razão para explicar o cosmos, a vida e os elementos que estão ao seu redor.

Trata-se de uma visão de mundo que usa o “homem” como principal referencial, ou que interpreta a realidade sob uma perspectiva dos valores, feitos e experiências humanas.

Desenho homem Vitruviano.
Desenhado por Leonardo da Vinci em 1490, o Homem Vitruviano é um dos mais conhecidos símbolos do antropocentrismo e do renascimento. As proporções matemáticas da imagem são destacadas como forma de enaltecer a simetria básica do corpo humano, destacando o olhar cuidadoso do pintor para o ser humano e para as medidas matemáticas. (Fonte: Leonardo Da Vinci - Photo from Luc Viatour.. 2007-09-08)


Qual o conceito de antropocentrismo e como ele influenciou a Filosofia Moderna?

Para compreender o que é o antropocentrismo é necessário, primeiro, saber sobre quais bases essa filosofia foi desenvolvida.

A visão antropocêntrica está associada diretamente à queda da Idade Média, da acepção medieval de mundo e do referencial predominante à época - o teocentrismo. Enquanto este acreditava em uma realidade totalmente orientada por e para Deus, advindo daí o termo "teo (Deus) + centrismo (centro)", o antropocentrismo propunha uma crítica direta a tal modelo.

Dessa forma, utilizava o "homem" como seu ponto de partida para a compreensão do universo, explicando os fenômenos cosmológicos e naturais não mais pela lógica da fé, mas sim pela racionalidade.

Assim, podemos definir o antropocentrismo como uma visão de mundo racionalista e científica, que tem o ser humano como figura central, priorizando a experimentação como seu método oficial de checagem dos fatos.

Quando surgiu o antropocentrismo?

O antropocentrismo foi estruturado em meados do século XV e XVI, enquanto a Europa passava por grandes transformações, tais quais as navegações, a reforma protestante, o surgimento da burguesia, entre outros marcos históricos que indicavam a ruptura do sistema feudal com a passagem para a dinâmica mercantil/capitalista.

Na prática, o conceito filosófico fez parte do movimento humanista renascentista, que buscava incentivar a reflexão a partir da cientificidade, afastando-se diametralmente da crença de uma realidade condicionada às vontades de uma divindade.

Por fazer tal crítica ao teocentrismo e por estabelecer novos caminhos para a filosofia moderna em geral, o antropocentrismo influenciou significativamente o desenvolvimento de diversas áreas do conhecimento, como as ciências naturais, a política e a arte.

Figura de Nicolau Copérnico
Nicolau Copérnico (1473 - 1543) é reconhecido por ter desenvolvido a teoria do “Heliocentrismo”, a qual acreditava que a Terra girava ao redor do sol e não o contrário - como se acreditava até então. A partir dessa perspectiva, o teocentrismo e o geocentrismo (defendidos pela Igreja Católica) passaram a ser questionados tecnicamente, o que contribui para uma transformação dos paradigmas de compreensão do mundo e da humanidade. Os estudos Copérnicos são considerados marcos pioneiros do antropocentrismo.(Fonte: Domínio Público)


Esse pensamento voltado ao ser humano foi essencial para a consolidação do racionalismo, abrindo espaço, inclusive, para que outras escolas filosóficas importantes prosperassem, como o empirismo e o iluminismo. Ambas valorizavam a razão e a experiência humana como fontes de conhecimento, adequando suas pautas aos ideais antropocêntricos.

Assim, a partir da sistematização do antropocentrismo, a sociedade ocidental passou a se organizar de modo a objetivar o progresso humano, o desenvolvimento tecnológico e a exploração dos recursos naturais para benefício da humanidade e do seu avanço.

Nesse contexto, a subordinação a uma ordem divina foi abdicada, ao passo que outras fontes de verdade, que não aquelas dispostas nas liturgias religiosas, passaram a ser consideradas legítimas.

Ainda que a fé continuasse como parte constitutiva da realidade da época, não sendo deixada de lado, o antropocentrismo possibilitou que a realidade também fosse confrontada com a racionalização.

Guia Essencial da Filosofia: Pensamento Moderno

O curso apresenta um panorama das bases do pensamento ocidental, do renascimento à virada do século XX. Galileu e Copérnico, Descartes, Locke, Kant, Maquiavel a Adam Smith, Marx, John Stuart Mill, Max Weber, entre outros. Aprenda com a Casa do Saber +!

thumb curso 'Guia Essencial da Filosofia: Pensamento Moderno', de Paulo Niccoli Ramirez





Diferença entre teocentrismo e antropocentrismo

Tanto o antropocentrismo quanto o teocentrismo desempenharam papeis fundamentais na formação do pensamento ocidental ao longo dos séculos, mas diferem-se essencialmente em seu ponto de partida para interpretar a realidade.

No teocentrismo, Deus é o centro absoluto e ocupa uma posição de superioridade hierárquica em relação a todas as outras coisas no universo, sendo a divindade a única fonte legítima para explicar o mundo natural e a vida humana. Essa visão teocêntrica foi amplamente promovida pela Igreja Católica durante a Idade Média, reforçando sua autoridade e influência sobre a sociedade.

Com o surgimento do antropocentrismo, porém, a centralidade foi transferida do divino para o ser humano, destacando a racionalidade e a experimentação científica como as principais formas de interpretar a realidade.

Aspectos Teocentrismo Antropocentrismo
Conceito Visão de mundo que coloca Deus como o centro de tudo, sendo a divindade a fonte de explicação do universo e da vida humana. Perspectiva filosófica que coloca o ser humano como o centro do universo, explicando a realidade a partir da racionalidade e da experiência humana.
Período Predominou durante a Idade Média (séculos V-XV). Surgiu no Renascimento (séculos XV-XVI), com forte influência nas eras subsequentes.
Fundamentos Explicação dos fenômenos a partir da fé e das escrituras sagradas. Busca pela explicação científica, racional e metodológica dos fenômenos.
Figura central Deus e as divindades. O ser humano, com ênfase em sua capacidade de raciocínio.
Relação com a ciência A ciência subordinada à teologia e aos dogmas religiosos. A ciência desvinculada da religião, centrada na observação, experimentação e raciocínio lógico.
Expoentes Santo Agostinho (354-430), Tomás de Aquino (1225-1274). Leonardo da Vinci (1452-1519), Nicolau Copérnico (1473-1543), René Descartes (1596-1650).



O filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804 - 1872), em sua crítica às religiões e ao teocentrismo, sugeria que ambos os paradigmas não seriam necessariamente opostos, mas sim duas faces de uma mesma moeda.

Para ele, as religiões teriam sido criadas para atender às necessidades humanas, funcionando como uma projeção dos anseios e fragilidades do ser humano.

Nesse sentido, mesmo o teocentrismo, que colocava Deus no centro, serviria indiretamente ao homem oferecendo consolo e explicações que ajudassem a minimizar suas angústias existenciais.

Contudo, a maioria dos estudiosos e a visão comum tendem a interpretar o antropocentrismo e o teocentrismo como entendimentos contrastantes, alicerçados nas diferenças evidenciadas na tabela acima.

Um Dia com Espinosa

Assista ao curso sobre o filósofo que ousou a considerar um Deus tal qual a natureza. Conheça a história por trás do lema "Deus Sive Nature" (Deus é tanto substância como natureza).

thumb do curso 'um dia com espinosa', de Clovis de Barros Filho





Resumo do Antropocentrismo em 10 tópicos

Para sistematizarmos o conhecimento, vamos compreender o que é o antropocentrismo por meio de um resumo do que apresentamos até aqui.

Dizemos, assim, que o antropocentrismo refere-se à uma visão e a um conjunto de ideias que tem o ser humano como seu referencial de compreensão de mundo.

É uma das principais críticas ao teocentrismo, tendo como objetivo a observação das relações humanas, sociais e naturais a partir da racionalidade, da cientificidade e da experimentação.

Ao promover essa ruptura com a perspectiva teocêntrica, o antropocentrismo se tornou um pilar fundamental do pensamento moderno, moldando disciplinas como a ciência, a política, a filosofia e a ética.

Antropo (homem) + centrismo (centro).

Assim:

  1. É estruturado em meio à queda da Idade Média, do sistema feudal e da crise do teocentrismo (séculos XV e XVI);
  2. Faz parte do humanismo renascentista e tem na figura de Nicolau Copérnico um de seus marcos criadores;
  3. Prioriza o ser humano como figura central;
  4. Distancia-se da visão de mundo subordinada às vontades de uma divindade e das escrituras religiosas (teocentrismo);
  5. Difunde o pensamento científico, tecnicista e metodológico;
  6. Propõe uma perspectiva na qual o ser humano é o ponto central.
  7. Marca o início da Idade Moderna e também do sistema econômico mercantil (capitalista).
  8. Impactou as artes e as culturas, refletindo em uma produção artística que se preocupava com a representação do corpo humano, das perspectivas geométricas e do indivíduo como centro das obras.
  9. Influenciou um novo olhar para a ética e a moral, assim como a filosofia moderna, afastando esses conceitos dos preceitos religiosos de bom e ruim, bem e mal.
  10. Foi abordado por diversas áreas para além da filosofia, utilizado, inclusive, como discurso de justificação para a exploração dos recursos naturais e do meio ambiente.

Dicionário Michaelis



antropocentrismo

an·tro·po·cen·tris·mo

sm


Filos, Rel Sistema filosófico ou crença religiosa que considera o homem como o fato central ou mais significativo do Universo ou, ainda, como objetivo último de toda a realidade.




Qual a principal ideia do antropocentrismo?

A principal ideia do antropocentrismo é a valorização do ser humano como o centro de todas as coisas.

O homem deixa de ser um espectador passivo dos desígnios divinos, tornando-se um agente ativo da busca pelo conhecimento e da transformação da realidade.

Para isso, utiliza a inteligência e a razão, desenvolvendo condições ideias para que as diversas hipóteses acerca do que ocorre à nossa volta sejam empiricamente testadas e validadas.

Além disso, estabelece uma crítica robusta ao teocentrismo e aos ideais da Igreja Católica, assim como é um dos grandes marcos da filosofia moderna, das ciências, artes, cultura, entre outros campos.

Qual é a visão antropocêntrica?

A visão antropocêntrica é fundamentada na crença de que o ser humano ocupa uma posição privilegiada no universo, dotado de inteligência e racionalidade para moldar e transformar seu ambiente.

Nessa perspectiva, a humanidade não é mais subjugada por forças místicas ou divinas, mas, sim, torna-se o centro da reflexão filosófica, científica e moral.

Críticas modernas e as controvérsias do antropocentrismo

Ainda que o modelo antropocêntrico tenha guiado significativamente a filosofia ocidental, a necessidade de uma nova relação entre a humanidade e a natureza, na qual não há mais a sobreposição da primeira à segunda, propicia o debate acerca da sua falibilidade.

Na prática, o crescimento da consciência ecológica moderna, as urgências climáticas constantes e as questões ambientais refletem também na reavaliação das bases antropocêntricas e na proposição de outros paradigmas, tais quais o biocentrismo - uma visão mais holística e inclusiva, que reconhece a importância de todos os seres vivos e da natureza como um todo.

O biocentrismo questiona a centralidade do ser humano e defende que a natureza e o meio ambiente possuam acesso à dignidade e proteção, sendo sujeitos de direitos em sua própria essência.

Tal mudança de referencial é exemplificada, por exemplo, na Constituição do Equador de 2008 - a primeira do mundo a reconhecer a natureza como sujeito de direitos, equiparando-a à dignidade humana.

esquema que explica a lógica antropocêntrica e biocêntrica.
Na dinâmica estabelecida à esquerda (antropocêntrica), o ser humano encontra-se em posição de superioridade em relação aos demais elementos; já no biocentrismo, há uma proposta para que todos os seres da natureza/meio ambiente coexistam em harmonia e com iguais direitos.


Além disso, as críticas contemporâneas ao antropocentrismo não se limitam apenas à sua visão restrita sobre a natureza, como também apontam para a sua origem e implicações sociais.

Em muitos de seus desdobramentos, o antropocentrismo é frequentemente associado a uma perspectiva eurocêntrica, que privilegia a experiência e a visão de mundo do "homem europeu", deslegitimando outras culturas, etnias, gêneros e formas de vida.

Por isso, as perspectivas que têm emergido nos últimos anos representam um convite à construção de novos modelos e conceitos que priorizam a sustentabilidade, a justiça social e o respeito mútuo.

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Referências:

DAITX, Vanessa Vitcoski. O ensino de ciências e a visão antropocêntrica. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Biociências, Comissão de Graduação do Curso de Ciências Biológicas, Porto Alegre, 2010. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/35277#:~:text=O%20antropocentrismo%20consiste%20na%20vis%C3%A3o,n%C3%A3o%20sustent%C3%A1vel%20dos%20recursos%20naturais Acesso em: 20 out. 2024.