Psicanálise

O Que é Histeria? Entenda sua Importância para a Psicanálise

O Que é Histeria? Entenda sua Importância para a Psicanálise

Provavelmente, você já ouviu alguém dizer: “aquela mulher é histérica!”. Essa expressão tem uma longa história, e não por acaso. Mas o que é histeria? A palavra “histeria” – tema deste post – tem suas raízes na Grécia Antiga, derivada do termo “hystéra”, que significa útero.

Na antiguidade, acreditava-se que a histeria era uma condição exclusivamente feminina, atribuída ao deslocamento do útero pelo corpo – eles achavam que esse movimento do órgão, chegando até regiões como o diafragma ou o cérebro, causava sintomas físicos e emocionais incomuns, levando as mulheres a apresentarem comportamentos considerados estranhos. Como forma de tratamento, eram usados banhos de assento com ervas específicas, acreditando-se que isso ajudaria a “chamar” o útero de volta ao seu lugar.

Essa ideia foi fortemente influenciada pelos escritos de Hipócrates, visto que era ele quem associava os sintomas histéricos a distúrbios do aparelho reprodutor feminino.

Tal visão persistiu por séculos, reforçada pela ideia de que as mulheres eram mais suscetíveis a desordens emocionais devido à sua biologia. Foi apenas no final do século XIX, com o avanço dos estudos médicos e psicológicos, que essa interpretação começou a ser questionada.

Charcot, neurologista francês, teve um papel crucial nesse processo ao demonstrar que a histeria não era restrita ao sexo feminino e que seus sintomas poderiam ser induzidos e aliviados por meio da hipnose – e é aqui que Freud entra.

A histeria para a psicanálise

Desde as primeiras investigações de Freud até as reformulações propostas por Lacan, a histeria não apenas marcou o início da psicanálise como também permanece relevante para a compreensão das dinâmicas do inconsciente.

Em sua essência, revela a complexidade das relações entre o corpo e a mente, manifestando-se através de sintomas físicos para expressar conflitos psíquicos profundos, como falamos anteriormente.

Sigmund Freud, ao estudar pacientes com sintomas inexplicáveis pela medicina tradicional, percebeu que havia uma conexão entre algumas manifestações e traumas psíquicos reprimidos – sintomas físicos que expressam conflitos psíquicos profundos.

Sendo assim, introduziu a ideia de que a histeria era uma forma de neurose onde o inconsciente se expressava por meio de sintomas somáticos, como paralisias, cegueira histérica ou convulsões, por exemplo.



Esse entendimento foi revolucionário, pois deslocou a visão da histeria como uma condição exclusivamente fisiológica para uma interpretação psicodinâmica.

Jacques Lacan, por sua vez, trouxe uma nova abordagem, destacando a histeria como uma estrutura subjetiva. Para ele, a pessoa histérica está sempre em busca de respostas sobre seu próprio desejo e o desejo do outro. Essa insatisfação constante e a necessidade de reconhecimento são características fundamentais da histeria lacaniana, que ultrapassam a mera manifestação de sintomas físicos e se inserem em uma complexa dinâmica de linguagem e desejo.

Portanto, a histeria é muito mais do que um diagnóstico clínico – é um campo de estudo que permite explorar as profundezas do inconsciente, a construção do desejo e as formas como os sujeitos lidam com suas angústias.

Essa condição, que já foi vista como um mistério ou até mesmo como encenação, hoje é reconhecida como uma chave essencial para entender a psicanálise e a condição humana.

O significado e a origem da histeria

Freud, inspirado pelas pesquisas de Charcot, aprofundou o estudo da histeria ao vinculá-la a traumas psíquicos e desejos inconscientes. Em sua obra "Estudos sobre a Histeria", escrita em parceria com Josef Breuer, apresentou casos clínicos que demonstravam como sintomas físicos sem causa orgânica eram, na verdade, manifestações de conflitos emocionais reprimidos.

Essa abordagem – considerada inovadora – abriu caminho para o desenvolvimento da psicanálise, estabelecendo a histeria como um modelo paradigmático para a compreensão das neuroses.



Hoje, a histeria é reconhecida como uma forma de neurose, caracterizada por manifestações físicas de conflitos psíquicos. Os sintomas histéricos, muitas vezes dramáticos e sem explicação médica aparente, continuam sendo objeto de estudo e debate, revelando a complexa interação entre corpo, mente e desejo.

Casos de histeria coletiva e histeria em massa, por exemplo, mostram como essas manifestações podem se expandir para além do indivíduo, atingindo grupos sociais inteiros em momentos de tensão e ansiedade, como podemos ver no quadro abaixo:

ASPECTO HISTERIA INDIVIDUAL HISTERIA COLETIVA | HISTERIA EM MASSA
ORIGEM Conflitos psíquicos pessoais, como traumas e desejos reprimidos. Emoções compartilhadas, como medo, ansiedade ou excitação, amplificadas socialmente.
EXEMPLOS DE SINTOMAS Paralisias, cegueira histérica, convulsões sem causa orgânica. Desmaios coletivos, sintomas psicossomáticos compartilhados, comportamentos anômalos.
EXEMPLOS HISTÓRICOS Caso Anna O. (Freud e Breuer). Dança de São Vito (século XIV), surtos de pânico em ambientes escolares ou de trabalho.
DESENCADEADORES Traumas psíquicos individuais, repressão de desejos inconscientes. Situações de tensão, ansiedade ou sugestão coletiva.


Apesar de ocorrerem em diferentes escalas, ambos os fenômenos refletem a vulnerabilidade do psiquismo diante de situações de crise, mostrando como o inconsciente individual e o inconsciente coletivo podem se entrelaçar na construção de sintomas histéricos.

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A histeria na psicanálise e a contribuição de Freud

O caso de Anna O., documentado por Freud e Breuer, é um dos exemplos mais conhecidos da histeria na literatura psicanalítica e foi crucial para a formulação de conceitos fundamentais da psicanálise.

Anna O. apresentava um conjunto complexo de sintomas físicos e psíquicos, como paralisias, dificuldades de fala, distúrbios visuais e episódios de alucinação. Esses sintomas não tinham uma causa orgânica identificável, o que os levou a explorar a conexão entre as manifestações somáticas e o estado emocional da paciente.

Através do método catártico, Breuer conseguiu aliviar os sintomas ao ajudá-la a relembrar e verbalizar memórias traumáticas associadas a essas manifestações físicas. Esse processo mostrou como experiências emocionais reprimidas poderiam se expressar de forma somática, inaugurando a ideia de que a fala e a elaboração consciente de eventos traumáticos tinham um efeito terapêutico direto.

Para Freud, a histeria estava intimamente ligada à sexualidade e ao desejo inconsciente. Ele observou que os sintomas histéricos frequentemente derivavam de desejos reprimidos, traumas infantis ou conflitos emocionais não resolvidos. Essa perspectiva foi essencial para a formulação da teoria da sexualidade na psicanálise, que enfatiza a importância dos impulsos inconscientes na formação dos sintomas neuróticos, como visto anteriormente.

Além de Anna O., Freud documentou outros casos clínicos de histeria que se tornaram clássicos na literatura psicanalítica. O caso de Dora, por exemplo, revelou novas dimensões da relação entre repressão, desejo inconsciente e sintomas somáticos.

Esses casos ajudaram a consolidar a compreensão de que a histeria não se limitava a uma condição exclusivamente física, mas envolvia uma intrincada interação entre psique e corpo.

A abordagem psicanalítica proposta por Freud e Breuer, ao dar voz às experiências reprimidas dos pacientes, abriu caminho para a prática da associação livre e a interpretação dos conteúdos inconscientes, pilares da psicanálise moderna.



Neurose histérica e obsessiva, quais as principais diferenças

A neurose histérica e a neurose obsessiva são duas formas distintas de manifestações psíquicas, cada uma refletindo maneiras específicas de lidar com conflitos internos. Embora ambas tenham origens em processos inconscientes, suas expressões e dinâmicas são bastante diferentes. Confira:

Neurose histérica:

  • Sintomas: manifesta-se através de sintomas físicos e emocionais intensos, como paralisias, cegueira histérica, convulsões sem causas orgânicas, dores inexplicáveis e outros sintomas somáticos.
  • Causa: os sintomas representam a expressão simbólica de conflitos psíquicos reprimidos, geralmente ligados a traumas ou desejos inconscientes.
  • Exemplos: casos como a cegueira histérica — onde a pessoa perde a visão sem nenhuma causa orgânica detectável — ou paralisias temporárias sem explicação médica.
  • Dinâmica psíquica: a histeria transforma angústias psíquicas em manifestações corporais, funcionando como uma representação simbólica de questões internas não resolvidas.


Neurose obsessiva:

  • Sintomas: caracteriza-se por pensamentos intrusivos e obsessivos, acompanhados de comportamentos repetitivos ou rituais compulsivos.
  • Causa: surge como um mecanismo de controle para lidar com ansiedades profundas, levando à repetição como forma de alívio temporário.
  • Exemplos: a necessidade de verificar repetidamente se uma porta está trancada, lavar as mãos excessivamente por medo de contaminação ou seguir rituais meticulosos para evitar catástrofes imaginárias.
  • Dinâmica psíquica: nessa neurose, há uma constante luta entre pensamentos obsessivos e as defesas criadas para neutralizá-los, resultando em compulsões e rituais.


Entenda a diferença entre neurose, psicose e perversão neste artigo


Essas duas manifestações psíquicas, apesar de diferentes, mostram como a mente cria mecanismos complexos para enfrentar angústias e conflitos internos, cada uma à sua maneira.

Para finalizar, podemos dizer que a histeria, longe de ser um termo pejorativo ou ultrapassado, revela-se como uma chave fundamental para a compreensão do inconsciente humano.

Desde os primeiros estudos de Freud até as contribuições de Lacan, a histeria mostra como sintomas físicos e emocionais podem ser expressões simbólicas de conflitos psíquicos profundos.

Ao estudar essa estrutura, a psicanálise não só ampliou o entendimento sobre as neuroses, mas também abriu caminhos para uma abordagem mais profunda sobre o desejo, a linguagem e a subjetividade.

Dessa forma, a histeria segue sendo uma peça essencial para entender as complexas interações entre mente e corpo, trazendo à tona questões que ainda ressoam na prática clínica e no estudo do inconsciente.

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Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 3: As psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.





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