Psicologia

Gestalt-terapia: abordagem da psicologia, conceito e princípios

Gestalt-terapia: abordagem da psicologia, conceito e princípios
Gestalt-terapia: abordagem da psicologia, conceito e princípios
Ella Barruzzi
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Gosto da forma como alguns teóricos da Gestalt apresentam a abordagem, destacando que ela é, ao mesmo tempo, uma arte e uma ciência.

Além disso, é interessante expandirmos nossos horizontes e olhares para diferentes tipos de abordagens, pois, assim como o ser humano é múltiplo, também são as formas de lidar com ele.

De acordo com a fala de Luiz Hanns, no curso “Psicoterapia contemporânea: por uma integração transteórica de diversas práticas e teorias”, hoje temos mais de mil diferentes abordagens, metodologias e técnicas de psicoterapia.

A maioria delas é formada por até quinze matrizes, que servem de base para uma ampla diversidade – e apesar da fragmentação teórica, muitas acabam dialogando entre si.

Neste texto falaremos sobre a Gestalt, que oferece uma importante contribuição para as linhas da psicologia: sua visão holística do ser humano, compreendido como um ser biopsicossocial em constante interação com o meio. Essa abordagem considera não apenas a pessoa em sua totalidade, mas também o contexto em que está inserida.



O surgimento da abordagem Gestalt

Um dos nomes que encontramos ao pesquisar sobre a Gestalt é o de Max Wertheimer, pois o primeiro estudo oficial contou com sua autoria, juntamente com Kurt Koffka e Wolfgang Köhler – seus trabalhos estavam alinhados à corrente fenomenológica alemã – e a Gestalt-terapia é a própria fenomenologia aplicada.

Embora Max Wertheimer seja uma figura central no desenvolvimento da Psicologia da Gestalt, sua contribuição, assim como a dos outros nomes mencionados, está mais diretamente ligada à psicologia experimental e à teoria da percepção. Como um dos fundadores da escola de Psicologia da Gestalt, sua influência foi indireta na Gestalt-terapia, posteriormente desenvolvida por Fritz Perls e seus colaboradores.

Nessa abordagem mais ampla desenvolvida por eles, o foco do estudo estava em compreender como os seres humanos percebem e organizam os estímulos sensoriais em configurações significativas, ao invés de analisá-los como elementos individuais isolados.

Dessa forma, a Gestalt-terapia adaptou essa ideia e a aplicou no campo emocional e psicológico, com foco em como as pessoas vivenciam e organizam suas experiências.

No Brasil, suas raízes foram lançadas por volta de 1970, com uma palestra seguida de um convite para que terapeutas estrangeiros formassem o primeiro grupo de Gestalt-terapeutas no país.

Quando surgiu no campo terapêutico, a abordagem despertou um grande interesse entre profissionais da área social, como educadores especializados, assistentes sociais, diretores de instituições para jovens em situação de vulnerabilidade e conselheiros conjugais, entre outros. O que chamava a atenção não era apenas o método em si, mas sua capacidade de atender de forma específica e eficaz às demandas práticas de suas atividades.

Imagem surrealista com um homem vestido com terno e sapatos sociais sentado em uma poltrona laranja no topo de um precipício. Ao fundo, sol e nuvens, além de lustres em formato de discos voadores.

Afinal, o que é Gestalt?

A pergunta de milhões vem de uma época em que seus teóricos ainda se diziam psicanalistas e, claro, bebiam da fonte de Sigmund Freud. Fritz Perls e sua esposa Laura Perls, faziam parte de um grupo de artistas e intelectuais não conformistas.

Perls era considerado por muitos como o criador da Gestalt-terapia, porém, analisando alguns livros, podemos encontrar o que era chamado de “grupo dos sete”, que englobava nomes como: Isadore From, Paul Goodman, Paul Weisz, Sylvester Eastman, Elliot Shapiro e Ralph Hefferline, além de Laura.

A abordagem acabou se tornando uma das forças rebeldes, humanistas e existenciais da psicologia, sendo redescoberta durante toda a história da humanidade, visto que seus conceitos e teorias continuam aparecendo sob novas formas.

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A Gestalt-terapia utiliza ferramentas criadas ou aprimoradas por Pearls – autointitulado como “redescobridor da gestalt” – para ajudar a desbloquear o modo natural de funcionamento do ser humano e, a partir dessa liberação, proporcionar uma vivência direta do que é a Gestalt.

Porém, apenas a experiência pode fazer isso – a própria experiência de si mesmo –, ou seja, não é uma teoria que pode ser colocada de forma fundamentada em um papel. Ela se baseia na compreensão da existência do indivíduo, focando na experiência do "ser" e na interação do ser humano com o mundo ao seu redor, considerando tanto a dimensão mental quanto a biológica.

Na Gestalt-terapia, é possível aprender a prestar atenção no que está acontecendo internamente, tanto na mente quanto no corpo, como uma forma de se entender melhor.

Essa forma de atuação pode ser desafiadora, pois, na maioria das vezes, estamos tão focados em nossas atividades diárias que nem percebemos o que estamos fazendo, sentindo ou querendo – vivemos de maneira automática, em muitos dos casos.

Em vez de observarmos o que está acontecendo enquanto falamos ou agimos, como se estivéssemos em um estado meditativo, acabamos nos identificando com o conteúdo das nossas palavras ou ações. Isso nos prende em ciclos, como sentir pena de nós mesmos, culpar os outros ou nos julgar, sem perceber que estamos apenas repetindo esses sentimentos e pensamentos. Dessa forma, o objetivo dos terapeutas da abordagem é ampliar o potencial humano por meio do processo de integração, apoiando os interesses, desejos e necessidades genuínas de cada pessoa.

Sabe aquele sentimento que fica guardado por muito tempo, sem ter a mínima condição de ser expressado? A Gestalt-terapia ajuda a nos “livrarmos” dele e, ao invés de esconder ou reprimir o que sentimos, aprendemos a expressar emoções de maneira saudável.

E isso se dá através de métodos específicos – e até mesmo simples –, como bater em uma almofada ou conversar com uma cadeira vazia, liberando assim esses sentimentos de forma segura e sem nenhum tipo de julgamento.

Como em outros tipos de terapia, ela não oferece a cura para todos os problemas, mas auxilia a viver melhor em um mundo cheio deles. Isso porque, quando conseguimos entender claramente o que está acontecendo na nossa vida, ela fica mais tranquila, sem confusão ou sofrimentos desnecessários, entrando em contato com o que sentimos, percebendo o que acontece ao nosso redor e formando nossas próprias experiências e interpretações.

Por fora existe uma imagem de um casal de idosos olhando um para o outro. A mulher está do lado esquerdo, com cabelos brancos e brinco em formato de garrafa. Ele, do lado direito, é calvo. Olhando de um outro ângulo, a figura externa é formada por duas entradas de um salão onde em cada portal estão sentados dois homens. O do lado direito segura na cabeça um pote de barro, ao lado do pé do seu pé direito uma garrafa transparente (que é o brinco da senhora). O do lado direito está sentado no chão sobre o portal segurando um violão e cantando. Atrás dele uma mulher aparece em um outro portal.

A psicologia das formas e as leis da Gestalt

Um dos principais conceitos da Gestalt-terapia trabalha com a relação de figura e fundo – que abarca seus princípios –, que é a forma como percebemos e organizamos nossas experiências. Em vez de olhar apenas para os elementos isolados, como faz a psicanálise, considera a totalidade da experiência.

Por exemplo, no contexto terapêutico, o comportamento do paciente não é uma manifestação isolada, mas o resultado de múltiplas variáveis que emergem na interação com o terapeuta. Por isso, o terapeuta deve atuar com flexibilidade e sensibilidade, ajustando-se às constantes dinâmicas e transformações do "campo" terapêutico.

As leis da Gestalt estão intimamente relacionadas com a psicologia das formas (ou psicologia da percepção), sendo considerada como uma das bases da teoria da Gestalt.

Ela investiga como o ser humano percebe, organiza e interpreta os estímulos sensoriais, formando padrões ou figuras significativas, em vez de simplesmente analisar os elementos de forma isolada. Dessa maneira, explica como o cérebro organiza os estímulos visuais para criar uma percepção clara e coerente do mundo, buscando sempre entender o todo, e não apenas suas partes.

Uma das leis fundamentais é a da Pregnância, também conhecida como lei da forma, que afirma que nossa percepção tende a organizar os estímulos de maneira mais simples, estável e completa, preferindo formas claras e simétricas. Em outras palavras, o cérebro busca sempre a forma mais "organizada" e "completa", aquela que exige o menor esforço cognitivo para ser compreendida. No esquema a seguir podemos explorar as demais leis:

Leis da Gestalt

Como ela se coloca

Unidade Afirma que o cérebro humano tende a perceber grupos ou elementos como uma única unidade, em vez de vê-los como partes separadas.
Unificação Descreve a tendência do cérebro de agrupar estímulos separados em uma unidade coerente quando há uma relação entre eles, formando uma figura única, similar à Lei da Unidade, mas com foco na conexão entre os elementos.
Semelhança Fala sobre a tendência do cérebro de agrupar elementos com características semelhantes, como cor, forma ou tamanho, em uma única unidade ou figura.
Proximidade Afirma que elementos próximos uns dos outros são percebidos como pertencentes ao mesmo grupo, independentemente de suas características individuais.
Fechamento Descreve que o cérebro tende a completar figuras incompletas, preenchendo lacunas para formar uma unidade coerente.
Continuidade Diz sobre como a nossa mente organiza elementos em uma sequência contínua, percebendo-os como um fluxo suave, mesmo quando há interrupções.
Segregação Sustenta que o cérebro tende a separar elementos distintos e organizá-los em grupos ou figuras diferentes, mesmo que compartilhem o mesmo espaço.


Essas leis explicam como organizamos as informações visuais para perceber o mundo de maneira estruturada e coerente, muitas vezes sem nos darmos conta de que esse processo está ocorrendo.

O que Fritz Perls ensinou em sua teoria é que as dificuldades de uma pessoa estão sempre no presente, e qualquer maneira de trazê-las à tona ajudará tanto o terapeuta quanto o cliente a entender melhor a situação.

A Gestalt-terapia não é apenas uma filosofia de viver no aqui e agora, mas também um conjunto de práticas que, com o tempo, aprimoram a capacidade de estar totalmente presente no momento.

As pessoas estão tão habituadas a viver em meio aos pensamentos, seguindo os padrões da consciência, dos hábitos e das expectativas, que, ao atingirem a vida adulta, já aprenderam a bloquear a experiência de viver esse presente, como falado anteriormente.

Então, Fritz demonstrou diversas maneiras de fazer com que essas questões se tornem visíveis. Sendo assim, a Gestalt, essencialmente, é uma abordagem que busca despertar as sutilezas da vida, permitindo que elas se manifestem, para que a vida seja percebida e compreendida de maneira mais clara.

Ela propõe uma abordagem que não foca apenas no cliente individual, mas também na relação estabelecida entre ele e o terapeuta. A ênfase está no "campo" no qual o processo terapêutico ocorre, o que significa que tanto o cliente quanto o terapeuta são parte ativa da experiência.

Podemos dizer que Fritz Perls e Paul Goodman deslocaram a ênfase do "por quê?" do passado para o "como?" no presente, permitindo que a pessoa se torne mais consciente de suas experiências no momento atual. A ideia de awareness (consciência) surge aqui, permitindo que o cliente perceba o que está acontecendo com ele tanto interna quanto externamente, de forma corporal, mental e emocional. A awareness não é apenas uma reflexão sobre o problema, mas uma integração criativa do que está sendo experienciado, relembrado ou dito no momento presente.

Diferente da psicanálise, que explora o passado e os processos inconscientes do paciente, a Gestalt-terapia foca no que está acontecendo no "aqui e agora". Em vez de permitir que o terapeuta permaneça distante ou semi-oculto, a abordagem gestáltica coloca o terapeuta no centro da experiência terapêutica, junto ao cliente. A relação entre ambos deve ser clara e dinâmica, com o terapeuta se envolvendo no processo sem se esconder atrás das cortinas.

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Para quem é indicada a Gestalt-terapia?

Como falamos anteriormente, a Gestalt-terapia consiste em explorar e entender a estrutura interna da experiência concreta do cliente. O objetivo é investigar não apenas o que está sendo dito ou feito, mas como está sendo expressado – gestos, expressões faciais, tom de voz e outros detalhes são analisados.

Dessa forma, a importância do corpo como parte fundamental da experiência também é reconhecida. O terapeuta presta atenção nas manifestações corporais do cliente, como posturas e movimentos involuntários, que podem revelar aspectos da experiência emocional ou psicológica que o cliente talvez não esteja consciente. O sintoma corporal, portanto, é utilizado como uma “porta de entrada” para o processo terapêutico, respeitando a forma como o cliente se expressa, ainda que de maneira involuntária.

Podemos dizer que a Gestalt, mais do que uma psicoterapia, é uma ferramenta metodológica que permite uma visão holística do ser humano. Ela integra várias correntes terapêuticas e filosóficas e prepara o terreno para uma nova visão do homem, onde a busca pelo "ser" integrado supera a busca pelo "ter" fragmentado. Em vez de um foco na causa ou no "porquê", valoriza o "como" e o "para quê", enfatizando a experiência direta, a percepção e a consciência do presente. Essa abordagem não busca ser uma ciência no sentido tradicional, mas continua sendo uma arte que acompanha as tendências contemporâneas.

Por isso, é indicada para uma ampla variedade de pessoas, pois não se restringe a tratamentos de transtornos psicológicos específicos, mas busca promover o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal:

  • Para aqueles que desejam compreender melhor seus sentimentos, pensamentos, comportamentos e suas interações com o mundo ao seu redor.
  • Pessoas que enfrentam desafios como ansiedade, depressão, estresse ou outros sintomas que afetam seu bem-estar emocional, mas que ainda não necessariamente possuem um diagnóstico clínico.
  • Quem está vivendo momentos de transição na vida, como mudanças de carreira, divórcio, aposentadoria, entre outras situações que exigem adaptação ou reflexão sobre novos caminhos.
  • Ou que possui dificuldade de expressar, compreender emoções ou que enfrentam desafios nos relacionamentos interpessoais, seja com familiares, amigos ou colegas de trabalho.
  • Especialmente útil para quem deseja conectar mais profundamente com seu corpo, por meio da observação de posturas, respiração, microgestos e outras manifestações físicas que refletem o estado emocional.
  • Pessoas que preferem uma abordagem terapêutica que não se concentre tanto em explicações analíticas, mas sim na vivência do momento presente e na construção do significado da experiência de forma prática.
  • Podendo também ser aplicada em contextos de grupos ou terapia familiar, ajudando a identificar padrões de interação, aumentar a consciência coletiva e facilitar a comunicação entre os membros.


A Gestalt-terapia é uma abordagem terapêutica flexível e profunda, indicada para qualquer pessoa que deseje se reconectar consigo mesma, compreender suas emoções e comportamentos, e promover um maior equilíbrio nas suas relações e na sua vida. Ao focar no presente, auxilia no autoconhecimento e no desenvolvimento de uma consciência mais plena e integrada.

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Referências bibliográficas

GINGER, Serge. Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo: Summus, 1995.

PERLS, Frederick Salomon. Isto é Gestalt. São Paulo: Summus, 1977.

PERLS, Frederick Salomon. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

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