Marcado por ser um grande transformador de paradigmas, o Iluminismo estabeleceu uma interseção com as propostas antropocêntricas para se firmar como um movimento filosófico, intelectual e cultural que acreditava na valoração da razão e do conhecimento como meios autênticos para a conquista da liberdade, justiça e felicidade.
Desenvolvido no cenário da Europa Ocidental, ao longo dos séculos XVII e XVIII (também conhecido como Século das Luzes), o Iluminismo criticou duramente as concepções de verdade da Idade Média, as quais davam à fé e à religião papeis centrais na compreensão do mundo.
Na época, o teocentrismo (doutrina que colocava Deus no centro e que perdurava desde o século IV) abria espaço para que o antropocentrismo (homem no centro) se fortalecesse e para que os filósofos estruturassem discursos e teorias capazes de colocar a legitimidade dos poderes absolutistas em xeque.
Tratou-se, portanto, de uma verdadeira crise dos valores propagados até então, combinada com uma proposta de revisitação aos pensamentos da Grécia Antiga sobre a necessidade da racionalidade para as tomadas de decisão.
Embora seja muitas vezes tratado como um movimento único, o Iluminismo teve várias vertentes em seus diferentes locais de propagação, agindo, inclusive, sobre as Américas e influenciando o pensamento moderno, suas democracias e o cientificismo.
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Índice
O que é o Iluminismo
Como já abordamos anteriormente, o iluminismo é caracterizado como um movimento intelectual dos séculos XVII e XVIII, reconhecido por defender a importância da razão e do conhecimento para a observação e experimentação da vida.
A crença de um mundo regido exclusivamente pelos desígnios de Deus e, sobretudo, pela Igreja Católica era substituída pelas demandas por descentralização de poder e por justificativas racionais para as dinâmicas cotidianas.
Em outras palavras, o iluminismo contrastou a “´fe” e a “razão”, questionando os privilégios do clero e das monarquias, bem como desenvolveu teorias e discursos que colocaram o ser humano como vetor responsável por suas ações, fossem elas culturais, filosóficas, sociais ou históricas.
Na prática, a partir do iluminismo e de seus ideais racionalistas, as sociedades modernas passaram a valorizar a ciência como forma de compreender as questões e de solucionar problemas do dia a dia.
Com isso, o gradativo afastamento das explicações místicas e dogmáticas foi um produto lógico desse novo modelo de pensamento, que mitigou também o controle e a opressão característicos dos períodos inquisitivos da Idade das Trevas.
O movimento iluminista deu origem a transformações profundas em diversas áreas, como nos campos político, econômico e cultural, servindo como base e referencial para diversos eventos históricos significativos.
A Revolução Industrial e a Revolução Francesa (com seu lema “liberdade, igualdade e fraternidade"), os movimentos de independência dos Estados Unidos e do Brasil são apenas alguns exemplos desses grandes marcos.
Além disso, o iluminismo propiciou a criação de constituições baseadas em direitos naturais, impulsionou a defesa de governos representativos e o surgimento das democracias modernas, cujos fundamentos perduram até hoje
Um dos principais expoentes do iluminismo alemão, Immanuel Kant formulou um conceito lógico para o movimento, no texto “Resposta à pergunta: Que é o iluminismo?”:
“O iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude (em português, “ouse saber" ou "atreva-se a conhecer)”. (KANT, 1995 apud WEIMANN, 2015)
Podemos dizer então que o iluminismo foi um movimento complexo, que se desenvolveu nas diversas frentes sociais (política, cultural, econômica, religiosa) através de uma filosofia que dava protagonismo aos seres humanos e não mais às divindades, ao cristianismo e à Igreja Católica.
Articulou a busca pelo conhecimento através da razão como sua principal pauta, priorizando a ciência, o empirismo e as explicações lógicas para fenômenos sociais e da natureza.
Seus principais expoentes, Voltaire, David Hume, Kant, entre outros contribuíram para uma revolução intelectual e para transformação de paradigmas importantes, questionando, sobretudo, as formas de governos absolutistas e os privilégios legados às monarquias e ao clero.
Os reflexos do movimento filosófico iluminista foram tão significativos ao longo do século XVIII, que o período foi reconhecido como Século das Luzes.
Contexto do Iluminismo: como surge o movimento?
O iluminismo não foi uma ruptura abrupta, mas o ápice de transformações que se desenvolviam há séculos na Europa Ocidental.
Para se ter uma ideia, o pensamento racionalista já estava presente na Grécia Antiga, defendido por nomes importantes como Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais enfatizavam a lógica, a ética e a busca pelo conhecimento como instrumentos para a compreensão do mundo.
Os romanos, por sua vez, ao herdarem essas ideias, as adaptaram e exerceram uma influência direta nos sistemas de leis utilizados pelo direito moderno.
Entretanto, com a ascensão do cristianismo no século IV, o teocentrismo ganhou destaque e passou a ser a principal norma das sociedades, colocando a fé e a Igreja Católica no centro da vida social, política e espiritual, especialmente ao longo da era medieval.
Somente a partir dos avanços científicos provocados pelas descobertas que desafiavam o status quo da época (entre os séculos XVI e XVII), como o movimento da Terra - observado por Copérnico e Galileu Galilei, ou pelas leis de Newton e a invenção de equipamentos como o telescópio e o microscópio, é que o teocentrismo passou a ser novamente questionado.
Associadas às Grandes Navegações e ao legado renascentista, essas mudanças retomaram o incentivo da busca pela razão como ferramenta central de investigação.
A colcha de retalho dessas descobertas científicas, com o resgate histórico e as mudanças culturais gradativas, criou as condições ideais para o surgimento do iluminismo e para a sua filosofia de combate aos valores do Antigo Regime.
Facilite a sua compreensão acerca do iluminismo a partir do seguinte resumo comparado:
Resumo do Iluminismo
Idade Média (teocentrismo) | Iluminismo (antropocentrismo) |
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O teocentrismo tinha a religião (Deus) e, posteriormente, a Igreja Católica como bússolas, sendo aspectos que controlavam não só o campo espiritual e ético, como o político. Através do medo e do misticismo, o modelo de pensamento da época compelia as sociedades a se comportarem de acordo com os interesses das monarquias absolutistas (forma de governo que concentrava o poder nas mãos do rei e da nobreza) e do alto clero. Desenvolveu-se ao longo dos séculos V ao XV. |
Marcou o questionamento das verdades teocêntricas, solidificando o antropocentrismo e o projeto humanista A razão era o instrumento legítimo para o conhecimento e para a boa aventurança, “iluminando” as explicações outrora associadas às divindades e à natureza. Caracterizou-se pela crítica ao absolutismo e à sua concentração de poder que resultava nas sociedades estamentais. Além disso, buscava pela igualdade, autonomia intelectual e direitos naturais, bem como pelo fortalecimento do pensamento crítico e da liberdade de escolha. Refletiu nos diversos eventos revolucionários da Idade Moderna e foi a principal base das democracias modernas. Desenvolveu-se durante o século XVII e XVIII - conhecido como Século das Luzes. |
Diferenças entre o Iluminismo Francês, Inglês e Americano a partir de seus principais pensadores
O iluminismo foi um movimento bastante complexo, apresentando características específicas alinhadas a cada contexto cultural no qual se estabeleceu.
Dessa forma, refletiu as prioridades e os desafios de cada sociedade, promovendo em todas elas alterações importantes.
Entre as tradições que mais se destacaram nesse sentido, o iluminismo francês, britânico e americano possuem como singularidades os pontos abordados abaixo:
1. Características do iluminismo Francês
Foi profundamente marcado pelo racionalismo e pelo combate às estruturas tradicionais de poder, como a monarquia absolutista e a Igreja Católica.
A razão era a ferramenta para a reconstrução de uma sociedade mergulhada, à época, na insatisfação econômica e social.
Foi a partir dos ideais iluministas que a Revolução Francesa (1789) tomou forma e registrou na História a sua busca por liberdade, igualdade e fraternidade.
A Queda da Bastilha, inclusive, evento caracterizado pelo protesto popular na prisão e fortaleza militar que simbolizava o absolutismo do Antigo Regime francês, assinalou não só o início da própria Revolução Francesa, como a transição da Idade Moderna para a Contemporânea.
Seus principais filósofos iluministas foram:
- René Descartes (1596 – 1650): responsável pelo método de pesquisa cartesiano, cujo objetivo era duvidar de tudo aquilo que era tido como verdade. Um fato deveria ser verificado, sintetizado e iluminado antes de comprovado. Desafiou as certezas dogmáticas, buscando uma nova base lógica para a verdade. "Penso, logo existo"
- Voltaire (1694 - 1778): criticou os privilégios das aristocracias e dos religiosos, disseminando a liberdade de expressão e o combate à intolerância. Foi perseguido e, por isso, exilou-se na Inglaterra, onde teve contato com John Locke.
- Montesquieu (1689- 1755): em O Espírito das Leis, o filósofo propôs a separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) pela primeira vez, argumentando acerca de sua eficácia e prevenção de abusos de autoridade.
- Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778): teceu a tese do homem natural, sustentando que a sociedade era a perversão desse sujeito, corrompendo-o de sua vocação para o bem e para o convívio harmônico com a natureza. Também foi um crítico da propriedade privada, que, segundo a sua perspectiva, era a responsável pela desigualdade dos homens.
2. Características do Iluminismo Britânico
A busca incessante pela razão não era a principal questão do iluminismo britânico. Parte da "era da benevolência", o iluminismo dessa região voltou-se à ética das virtudes e à moralidade, expandindo o seu foco para além da priorização da racionalidade.
A filosofia política britânica se destacou essencialmente pelos temas do liberalismo e pela defesa dos direitos individuais
Teve como principal pensador iluminista:
- John Locke (1632 - 1704): considerado o pai do liberalismo, Locke defendeu a ideia de que o conhecimento humano era derivado de uma experiência sensorial. Criticou o governo absolutista e propôs a famosa teoria do contrato social, segundo a qual a sociedade civil seria formada a partir de um pacto entre as pessoas e o Estado. Em condições justas, o filósofo acreditava que as sociedades abriam mão de seus direitos individuais para, de modo consentido, gozar da proteção oferecida pelas instituições estatais.
3. Características do Iluminismo Americano
Enquanto isso, o iluminismo americano encontrou um forte apelo na liberdade política e nos direitos naturais, destacando-se pela busca da independência e pela criação de um novo modelo de governo.
Foi conhecido pela tese da “política da liberdade”, tendo a Independência (declarada no dia 4 de julho de 1776) como seu evento mais importante.
Entre os pensadores iluministas relevantes da época estavam:
- Thomas Jefferson (1743 - 1826), John Adams (1735 - 1826) e Benjamin Franklin (1706 - 1790): estiveram envolvidos nas questões de liberdade política e nas ideias sobre um governo baseado na razão e nos direitos inalienáveis do homem. Essas ideias se materializaram na Declaração de Independência e ajudaram a moldar os princípios da Constituição dos Estados Unidos.
Além desses nomes, Immanuel Kant e Adam Smith também foram importantes sistematizadores do pensamento iluminista.
O alemão Kant (1724 - 1804), por exemplo, foi fundamental para o desenvolvimento da ética e da epistemologia, além de ser o criador do imperativo categórico, uma medida de princípio universal e racional capaz de sustentar as ações morais.
Para ele, a percepção da realidade dependia tanto das experiências vividas quanto das individualidades de cada sujeito, o que desafiava diversas abordagens anteriores.
Por sua vez, Adam Smith (1723 - 1790), filósofo escocês, é amplamente reconhecido como pai da economia moderna. Foi na obra A Riqueza das Nações (1776), que o filósofo iluminista introduziu o conceito de economia de mercado livre, posicionando a busca individual pelo lucro, por meio da mão invisível do Estado, como uma ferramenta para o bem-estar coletivo.
Entenda essa diferença de forma prática:
O iluminismo também produziu seus efeitos no Brasil, influenciado a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e o artigo 5º da Constituição Federal.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Veja também: D. Pedro I, Um Príncipe Dividido - a trajetória do monarca que se identificou e apoiou o desejo dos brasileiros pela Independência, liderando a separação entre os dois Reinos.
Um outro olhar para o iluminismo: a crítica a partir de um referencial colonial.
Embora tenha sido revolucionário em diversos aspectos, o iluminismo esteve imerso em contradições relevantes, especialmente quando observamos as suas bases a partir de um referencial decolonial.
A crítica mais pujante ao movimento reside na contraposição dos seus ideais de liberdade e igualdade ao tratamento dado às populações africanas e indígenas, como aponta o doutor em Filosofia pela UFRJ, Renato Nogueira (vídeo abaixo).
Entre as crenças iluministas, havia uma perspectiva de inferiorização desses povos, responsável por legitimar o seu controle pelas colônias e pelos movimentos escravagistas.
Nesse contexto, Frantz Fanon (1925 -1961) assume um papel fundamental ao propor uma revisão do humanismo tradicional, apontando suas falhas em reconhecer e valorizar as identidades dos povos colonizados e escravizados.
Trata-se de uma abordagem fundamental para compreender os impactos do humanismo e do iluminismo para além do continente europeu.
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Referências
COSTA, Abraão Lincoln Ferreira. Relações entre o iluminismo alemão e a concepção goethiana de formação. Água Viva, v. 3, n. 1, p. 12184, jan.-jul. 2018. DOI: 10.26512/aguaviva.v3i1.12184.
WEINMAN, Carlos. O conceito de iluminismo em Kant e sua implicação com a moralidade e a política. Unoesc & Ciência - ACHS, Joaçaba, v. 6, n. 2, p. 201-212, jul./dez. 2015.