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Platão

Platão
Tainá Voltas

Discípulo de Sócrates e professor de Aristóteles, Platão representa, junto a esses outros nomes, um dos grandes referenciais da Filosofia Ocidental. Contribuiu com a transformação da área por meio de diversas obras, além de ter fundado a considerada primeira instituição de ensino superior da história, a Academia de Atenas.

Por esses motivos, conhecer a sua trajetória e quem foi Platão é também um convite às descobertas das raízes do pensamento filosófico, da lógica, ética e de tantos outros assuntos que ainda hoje influenciam nossas reflexões sobre o mundo e sobre o ser humano.

As expressões “amor platônico” e “ideais platônicos”, por exemplo, têm origem na forma como o filósofo enxergava e dispunha, preferencialmente através da oralidade e da dialética, as suas ideias, concepções e teorias.

Vamos abordá-las agora, a partir de um guia sobre vida, obras, conceitos e fundamentos de Platão.

Imagem realizada por meio da técnica de mosaico que descreve as atividades na Academia de Platão
Mosaico da Academia de Platão — da Villa de T. Siminius Stephanus em Pompéia. (Fonte: Domínio Público)

Quem foi Platão?

Alfred North Whitehead (1861 - 1947), filósofo, matemático e lógico britânico, esboçou a seguinte ideia no livro Magnum Opus (Processo e Realidade), em 1929:

“A definição mais precisa da Filosofia Ocidental é a de que ela não passa de uma sucessão de notas de rodapé da obra de Platão"

Embora a frase polêmica possa ser debatida, tendo em vista a longa trajetória das ideias filosóficas anteriores e posteriores a Platão*, demonstra a profundidade e a abrangência da sua influência, sobretudo para alicerçar o desenvolvimento do raciocínio ocidental como o percebemos hoje.

*A Filosofia Ocidental ao longo da história

Philosophia é um vocábulo grego que se traduz como “amor à sabedoria”. Na história, a atividade foi estruturada como uma busca incessante e sistemática pelo conhecimento, envolvendo a investigação dos princípios fundamentais da existência, da moralidade, da mente e do universo.

Ao longo do tempo, os filósofos debruçaram-se a conhecer e descobrir os mais variados nichos e áreas de atuação, sendo agrupados de acordo com as questões que abordavam, os métodos que empregavam e as escolas de pensamento a que pertenciam.

É o caso, por exemplo, da Filosofia Clássica Grega, da qual participou Platão e que pode ainda ser subdividida nos períodos pré-socrático, socrático e pós-socrático ou sistemático, conforme especificado abaixo:

Período Cosmológico ou Pré-Socrático

Aquele no qual seus representantes, Demócrito (460 a.C. - 360 a.C), Tales de Mileto (624 a.C. - 548 a.C.), Pitágoras (570 a.C. - 496 a.C), entre outros, dedicaram-se aos estudos do universo, da origem do mundo e dos motivos para as mudanças da natureza. O nome desta etapa é derivado da palavra “cosmos”, que significa universo.

Período Socrático ou Antropológico

Representa o começo do processo de amadurecimento da filosofia, que passa a se apresentar de modo mais estruturado, abordando temas para além das manifestações e dos mitos associados à natureza. O referencial se transformou na observação das questões humanas e do "anthropos" (homem), sendo Sócrates (470 - 399 a.C.), Platão (por volta de 428 a.C. - 348 a.C) e Xenofonte (430 a.C. - 354 a.C) seus grandes expoentes. Os filósofos dedicaram-se aos estudos de política, ética, democracia, amor, etc.

Período Sistemático

Orientado pela sistematização das ideias e teorias filosóficas conhecidas até então, o período Sistemático teve como objetivo a elaboração de uma concepção racional e científica do mundo. Mesmo que Platão também seja reconhecido como personagem, em partes, desse movimento, foi nas obras de Aristóteles (384 a.C - 322 a.C.) e no seu esforço pioneiro de organizar as ideias difundidas na época que passou a ter força e aspectos mais otimizados. Tratou-se, portanto, de um trabalho mais abrangente, estruturado e científico, com uma abordagem disruptiva e analítica. Na prática, o período sistemático e o socrático se relacionam na medida em que Platão é influenciado por seu mestre Sócrates, o qual, por sua vez, influencia seu discípulo Aristóteles.



Dessa forma, ao lado de Sócrates e Aristóteles, Platão compõe a renomada tríade do pensamento grego antigo, tendo desenvolvido estudos tão diversificados e profundos que seus resultados ainda são bases para reflexões contemporâneas.

Como diferencial, é reconhecido pela escrita de uma série de obras no formato inovador de diálogos, transmitindo as suas ideias a partir de uma narrativa que valoriza a interlocução.

Ou seja, em seus livros, Platão destaca seu mestre, Sócrates, e outras figuras proeminentes da Grécia Antiga como elementos principais para debater, explorar e explicitar os seus conceitos filosóficos acerca dos mais variados temas, desde política, ética, epistemologia à natureza da realidade.

Tal modelo de produção textual, inclusive, desempenha um papel crucial na preservação e na transmissão do pensamento socrático. Como abordamos por aqui, Sócrates registrou seus ensinamentos apenas de forma oral, sendo os diálogos de Platão a principal fonte das suas ideias e métodos.

Platão é, portanto, um filósofo cujas ideias e teorias se expandem para diferentes áreas do conhecimento.

Entre suas contribuições mais notáveis estão a teoria das Ideias ou das Formas, na qual a realidade sensível é apenas uma cópia imperfeita das Formas perfeitas e imutáveis associadas a um plano transcendental; e a teoria da justiça em sua obra 'A República', a qual explora conceitos como a estrutura ideal/utópico da sociedade e a natureza da justiça

Além disso, Platão formulou a ideia de um estado governado por “reis-filósofos”, aqueles que, por sua sabedoria e conhecimento das Formas, seriam os mais aptos a governar de maneira justa.

Por fim, como mencionado anteriormente, sua influência se estende à metafísica, à epistemologia e à ética, moldando a filosofia ocidental e a sua inclinação ao dualismo platônico, assim como impactando o pensamento até os dias atuais.

Nesse sentido, saber quem foi Platão se confunde com o próprio conhecimento da história da filosofia.

Busto de Platão em fundo azul
Platão. Mármore Luni, cópia do retrato feito por Silanion ca. 370 a.C. para a Academia em Atenas. Da área sagrada no Largo Argentina. (Fonte: Por © Marie-Lan Nguyen /Wikimedia Commons, Domínio público).

A vida de Platão

Nascido por volta do ano de 427 a.C, em Atenas, Platão foi um representante clássico da aristocracia daquela pólis. Por esse motivo, sempre esteve inserido no universo dos estudos e da apreciação das artes, música, poesia, literatura, cultura, política e ginástica

Viu seu nome transformar-se de Arístocles para aquele que o carimbaria na História, por meio do apelido adquirido ainda em sua juventude. Platon, em grego, o descrevia a partir de seus atributos físicos marcados pelas “omoplatas largas” ou “costas largas”.

Aos 20 anos, abdicando de uma possível vida política já conhecida e experienciada por seus parentes, principalmente pelo ascendente Solon - famoso estadista, aproximou-se de Sócrates e passou a compartilhar dos ideais e das filosofias do pensador.

Nesse contexto, é considerado até hoje o mais proeminente discípulo de Sócrates, tendo o representado como a personagem principal da maioria de seus diálogos. De acordo com Platão, seu mentor Sócrates desafiava o “status quo” não só por pensar diferente, mas por adotar uma postura modesta em relação ao seu saber.

Em “O Banquete”, por exemplo, um dos textos platônicos mais famosos, o qual narra uma série de discursos sobre o amor, o autor evidencia a humildade e simplicidade socráticas em diversos trechos, tal qual:

"(...) Disse ele que o encontrara Sócrates, banhado e calçado com as sandálias,o que poucas vezes fazia; perguntou-lhe então onde ia assim tão bonito." - O Banquete, de Platão.

Nesse cenário, mesmo que não se tenha certeza se os relatos das obras de Platão que mencionam seu preceptor fazem um retrato fiel, literário ou apenas um resumo de Sócrates, as similaridades das narrativas com outras publicações de outros escritores tornam viável redesenhar a trajetória desses pensadores, os quais são caracterizados como discípulo e mestre, respectivamente.

Ainda sobre esse ponto, a influência entre os dois se deu de tal modo que, após o episódio da “execução de Sócrates”, que originou um dos textos mais célebres de Platão (“Defesa de Sócrates” ou “Apologia de Sócrates”*), o filósofo dedicou-se a 12 anos de viagens em busca do verdadeiro conhecimento e do processo de maturação das suas Teorias Platônicas.

Estudou matemática com os pitagóricos na Itália, geometria e astronomia no Egito e, através da influência que adquiriu ao longo tempo, tanto de seu falecido mentor como de Pitágoras e Parmênides, escreveu os reconhecidos diálogos/discursos - obras que colocam quase sempre Sócrates em destaque, por meio de uma narrativa dialética.

A Academia de Atenas ou Academia de Platão

Após o período dedicado às viagens, em 388 a.C, retornou à Atenas, criando a Academia de Platão, um local de discussões políticas, lazer, apresentações musicais e práticas de exercícios físicos, considerado também como a primeira universidade do mundo ocidental.

As aulas desse espaço eram ministradas a partir do método Socrático, normalmente ao ar livre e por meio da dialética (hipótese analisada através de várias perguntas), nos mais variados temas, como e astronomia, biologia, matemática, política e filosofia.

Nesse ambiente, tido como o epicentro do aprendizado de diversos nomes da filosofia, dentre eles Aristóteles, Platão desenvolveu e finalizou 35 diálogos e 13 cartas (Epístolas), agrupadas tradicionalmente, pelos estudiosos da área, em uma ordem específica:

  • Primeiros diálogos (Apologia e o Criton) - abordam os ensinamentos de Sócrates;
  • Diálogos finais (A República e O Simpósio) - introduzem a Teoria das Formas de Platão e a relação entre alma, estado e universo ;
  • Agrupamento dos trabalhos mais maduros, como As leis e Timeu - tratam das leis, matemática e ciências naturais


Por fim, Platão passou seus últimos anos na Academia, falecendo em 348 a.C, não sem antes deixar cristalizado o legado de conceitos disruptivos e relevantes para a época, como a Teoria das Ideias ou das Formas, Teoria das Reminiscências, Teoria da Justiça, entre outras. É isso que passamos a destrinchar a partir de agora.

* A execução de Sócrates pelos olhos de Platão

A Defesa de Sócrates de Platão retrata o desfecho do julgamento de Sócrates, no qual o “homem mais sábio de seu tempo” recebeu a pena de morte e despediu-se do então “berço da democracia” com o que mais lhe designava - o poder da oralidade e da palavra:

“Só tenho um pedido que lhes faça: quando meus filhos crescerem, castigai-os, atormentai-os com os mesmíssimos tormentos que eu os infligi, se achardes que eles estejam cuidando mais da riqueza ou de outra coisa que da virtude; se estiverem supondo ter um valor que não tenham, repreendei-os, como vos fiz eu, por não cuidarem do que devem e por suporem méritos, sem ter nenhum. Se vós o fizerdes, eu terei recebido de vós justiça; eu, e meus filhos também ``.

“Bem, é chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para a divindade”.


Trechos do que teria dito Sócrates, no livro “A Apologia de Sócrates” ou “A Defesa de Sócrates”, de Platão.


Pintura colorida sobre o episódio da morte de Sócrates
Na pintura "A Morte de Sócrates (fr: La Mort de Sócrate)", de 1787, o artista francês Jacques-Louis David retrata a morte do filósofo grego, resultado de suas ideias contrárias às vigentes em Atenas, corrompendo, sobretudo, os mais jovens. Este episódio deu origem a um dos textos mais reconhecidos de Platão, A Defesa de Sócrates. Fonte: commons.wikimedia.org.

As quatro principais Teorias das Ideias de Platão

As Teorias de Platão ou Teorias Platônicas são reverberadas até hoje, moldando a base de muitos pensamentos filosóficos ocidentais.

Elas exploram a relação entre o mundo sensível e o mundo das ideias, propondo uma realidade situada para além do que os sentidos podem captar.

Por meio de seu método, Platão buscava compreender a essência das coisas, discriminando uma estrutura de pensamento que influenciou não apenas a filosofia, como a ciência, a psicanálise, a teologia e a arte ao longo dos séculos.

1) Teoria Platônica das Ideias ou das Formas

Platão desenvolveu a Teoria Idealista, a qual deu origem à expressão "ideais platônicos", a partir do detalhamento de uma concepção já observada por Parmênides (porém, de uma forma mais singela).

Ao destrinchar esse trabalho, Platão categorizou a realidade como um elemento dual, ou seja, dividido em duas esferas - uma relacionada ao plano do inteligível, do intelecto, da estabilidade, da beleza, verdade e do conhecimento e o outro representado pelo plano terreno, dos sentidos, da perenidade, mutabilidade e das aparências.

Essa perspectiva é conhecida como Idealismo Platônico, considerando o mundo das ideias como o mundo da perfeição e da alma, em detrimento do mundo sensível onde habita o caos e o corpo.

O filósofo acreditava ainda que aquilo visto no mundo sensível tratava-se, na verdade, de uma representação ilusória do elemento verdadeiro disposto no campo inteligível, sendo este último acessado através da percepção dos cinco sentidos humanos (tato, olfato, paladar, audição e visão).

Entretanto, Platão também destacava a falibilidade dos sentidos e, por isso, afirmava que a interseção significativa entre esses dois polos (sensível e inteligível), permitindo uma passagem humana de uma experiência inferior para uma mais elevada, só se concretiza a partir da disposição para se chegar à episteme (verdade) através da busca do contínua do conhecimento, da razão e da distância do senso comum e da formação simples de opinião (doxa).

  • Sentidos: falos e conduzem o ser humano a uma vida de aparências no mundo sensível;
  • Uso da razão: proporciona o verdadeiro conhecimento, aquele localizado no mundo inteligível .

Para explicar a sua Teoria Dualista, Platão deu vida a uma das mais famosas metáforas (alegorias) da Filosofia Ocidental: o Mito das Cavernas.

O Mito da Caverna

Nesse texto, disposto no livro 7 da coleção "A República", Platão descreve a vida de prisioneiros acorrentados em uma caverna, com seus corpos orientados exclusivamente para frente de uma parede.

Nesta parede, os prisioneiros vêem as formas de animais e objetos, acreditando serem reais.

Entretanto, atrás deles e fora de seu campo de visão, há uma fogueira responsável por projetar sombras na parede da caverna.

Entre esses dois elementos (prisioneiros e fogueira), outras pessoas movimentam figuras e objetos, cujas contornos das sombras são o que os prisioneiros de fato veem.

As sombras são tudo o que os homens ali conhecem, levando-os a acreditar que tratam-se da realidade, quando na verdade representam apenas projeções de objetos reais que eles nunca viram ou vislumbraram.

Dessa forma, o prisioneiro que se liberta das correntes, sai da caverna e vai além das opiniões de senso comum consegue enxergar novas ideias, fatos e experiências.

Em certa medida, essa personagem representa o papel do filósofo com seu objetivo de libertar o máximo de pessoas da ignorância.

  • Caverna: representa o mundo ilusório e confuso / mundo sensível;
  • Formas: representam a falsidade dos sentidos;
  • Correntes: representam os preconceitos e opiniões que aprisionam o ser humano à ignorância e ao senso comum;
  • Conhecimento: desenvolve o senso crítico e o desejo pela busca da razão, libertando as pessoas da ilusão.
  • Ambiente externo à caverna: representa o mundo inteligível, real.

Ou seja, para Platão era necessário libertar-se das amarras limitadoras do mundo das aparências, buscando a verdade e o bem viver a partir da razão, único elemento que asseguraria a plenitude do mundo inteligível.

Ainda em relação a esta Teoria, é possível traçar um paralelo da alegoria da caverna com obras culturais mais recentes, como o episódio de Black Mirror 1x02, "15 Million Merits", e a distopia “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, cujos conteúdos descrevem realidades distópicas nas quais as pessoas vivem uma ilusão perfeitamente controlada, sem que se deem conta disso.

2 ) Teoria Platônica da Reminiscência

Apresenta-se como uma continuidade da Teoria anterior, dessa vez, debruçando-se sobre o estudo da alma e do corpo.

Para Platão, o espírito do ser humano migra do mundo inteligível, estável e perfeito para o mundo perene, sensível e caótico dos sentidos no nascimento.

Nesse momento, quando o espírito se fixa ao corpo conectado ao mundo terreno, o conhecimento ora adquirido no plano ideal (mundo inteligível) é esquecido.

Aos poucos, porém, a alma se recorda vagamente do que foi experienciado no mundo sensível, compondo a chamada reminiscência

  • Alma: pertencente ao mundo inteligível
  • Corpo: pertencente ao mundo sensível


3) Teoria Platônica da Justiça

Dentre as teorias das ideias de Platão, a da Justiça representa um dos pilares da filosofia política, sendo discutida em profundidade em sua obra "A República".

Nesse contexto, Platão explora o conceito de justiça em dois níveis: o individual e o coletivo.

No plano do indivíduo, Platão argumenta que a alma humana é composta por três partes - a racional, a irascível e a apetitiva.

A justiça é então alcançada quando cada uma dessas partes cumpre sua função adequada, estabelecendo harmonia entre elas.

Em outras palavras, isso significa dizer que a parte racional deve governar, a irascível deve auxiliar a racional na manutenção da ordem, e a apetitiva deve ser controlada para não dominar o comportamento.

Dessa forma, a harmonia interna é a chamada justiça pessoal, responsável por levar à virtude e ao bem-estar do indivíduo.

Já em relação à coletividade, Platão propõe uma sociedade ideal (utopia platônica) estabelecida em três classes principais: os governantes ("reis-filósofos"), os guardiões (guerreiros) e os produtores (agricultores, artesãos, etc.).

Para ele, cada classe corresponde a uma parte da alma - os governantes, guiados pela razão, devem governar com sabedoria; os guardiões, associados à parte irascível, devem proteger a sociedade; e os produtores, associados à parte apetitiva, devem fornecer os bens materiais.

Aqui a justiça social é alcançada quando cada classe desempenha seu papel sem interferir nas funções das outras, priorizando a harmonia e o bem comum.

Além disso, Platão considera que a justiça é uma virtude suprema, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

Por isso, o filósofo explicita que um estado justo é aquele em que as pessoas desempenham os papéis para os quais são naturalmente mais adequadas, sob a liderança de governantes filósofos que compreendem as Formas e buscam o bem comum.

“O homem é livre? Deus existe? O que é um comportamento ético?”


Encontre a resposta para essas e outras questões com o professor Clóvis de Barros Filho! Uma jornada sobre os fundamentos de Platão, Aristóteles, Hobbes, Maquiavel, Nietzsche e Foucault.



4 ) A Teoria Platônica da Tripartição da Alma

Em seus discursos, Platão trabalhou também com a observação e estudos da estrutura da alma. Em Fedro, por exemplo, o filósofo decanta, a partir também de uma alegoria, a ideia de uma alma humana composta por duas espécies de cavalo - a virtuosa e a viciosa, ambas dirigidas por um cocheiro que ilustra a psykhé como um elemento racional.

Ou seja, uma concepção de tripartição da alma, sendo esta abordada novamente no livro IV de "A República", no qual Platão divide a essência da seguinte forma:

  • racional / intelectual ou logistikón (λογιστικόν) - a alma associada à capacidade do raciocínio, à intelectualidade, sendo localizada na cabeça.
  • irascível / espirituosa / colérica ou thymoeidés (θυμοειδής) - a alma ligada aos sentimentos (amor, ira, tristeza, etc), localizado na parte do peito;
  • apetitiva ou epithymetikón (ἐπιθυμητικόν) - alma conectada aos prazeres sensíveis e carnais localizada no baixo ventre e umbigo.

A partir da divisão, Platão analisa também as relações sociais da cidade, afirmando terem os filósofos a alma racional mais desenvolvida, enquanto a alma espirituosa seria robusta nos guerreiros e a última modalidade teria consistência e concretude nos comerciantes e trabalhadores.

Para muitos pesquisadores da história da filosofia e da psicologia, essa Teoria estabelece uma relação direta entre a Psicanálise, a filosofia e o Platonismo, sobretudo no que diz respeito à caracterização do aparelho psíquico e da libido psicanalítica, como é abordado por Werner Jaeger:

“Platão é o pai da Psicanálise. É ele o primeiro que desmascara a monstruosidade do complexo de Édipo, a volúpia de se unir sexualmente à própria mãe, como sendo parte do eu inconsciente, que ele traz para a luz por meio da investigação das experiências dos sonhos; e apresenta ainda toda uma série de recalcados complexos de desejos análogos a este, que vão até o comércio sexual com os deuses, a sodomia e o simples desejo de matar” (JAEGER, 1989, p. 655 apud MANDAI, Sumiê, 2018).


No texto acadêmico “As influências teóricas do Platonismo sobre a Psicanálise”, Sarah Sumiê Rocha Mandai aponta ainda outras similitudes entre esses dois campos, de modo que o funcionamento psíquico sugerido por Freud - o que contempla o id, o ego e o superego, se correlaciona com a tripartição da alma de Platão.

“Traçando genericamente essa correspondência entre as partes da alma no Fedro, na República e o aparelho psíquico freudiano, teríamos respectivamente: a) cavalo turbulento, epithymetikón e id; b) cocheiro, logistikón e ego; c) cavalo dócil, thymoeidés e superego. Nos três casos, a unicidade da alma deriva de uma relação ordenada entre suas tendências ou instâncias discordantes.”

Por esse motivo, a Teoria Platônica Tripartite da Alma é associada com bastante frequência às teorias e estudos Freudianos, estabelecendo uma linha de pensamento da Grécia Antiga à modernidade.

Três livros para conhecer a Filosofia de Platão

Como abordado anteriormente, embora não se possa dizer ao certo o número total de obras, são tradicionalmente reconhecidos como de autoria de Platão 35 diálogos e 13 epístolas.

Alguns desses escritos são essenciais para conhecer quem foi Platão, a profundidade de sua filosofia e para pavimentar as bases de uma estrutura de pensamento voltada aos objetivos da filosofia: a busca incessante pelo conhecimento.

1) Fédon de Platão:

Este livro narra a morte de Sócrates e também traz a sua defesa da imortalidade da alma, numa tentativa de tranquilizar seus discípulos quanto aos anseios sobre o além e a vida após a morte.

No diálogo, Platão apresenta argumentos filosóficos sobre a natureza da alma, sugerindo que ela é eterna e imortal, oferecendo uma visão reconfortante sobre o destino da alma após a morte.

2) O Banquete de Platão:

Escrito por volta de 385 a 380 a.C, refere-se a uma tentativa filosófica de se compreender o “amor” (deus Eros), seu poder e a sua beleza - tanto dos homens quanto dos deuses, nas suas mais diferentes perspectivas.

Por meio de uma galeria de discursos e de um formato de narrativa emoldurada, Platão dá vida e protagonismo a diversos personagens, conduzindo o leitor como se ele estivesse presente no momento dos fatos e das falas.

Em suma, em O Banquete, Platão explora o conceito de Eros (amor) e o papel que ele desempenha na vida humana e na busca pela verdade e pelo bem.

É um texto que fala mais sobre um banquete de palavras, do que os tradicionais banquetes de comida. Provoca reflexões, intimidade do leitor para com a obra, além de ser elemento base para o entendimento de tantas questões contemporâneas.

3) A República de Platão:

Um dos diálogos mais importantes e influentes de Platão, "A República" não se apresenta apenas uma obra sobre política; é também um tratado filosófico que explora a natureza da justiça e a estrutura da alma

A obra, dividida em 10 livros, oferece uma visão abrangente da filosofia de Platão, discutindo o que constitui uma sociedade justa e como a justiça pode ser alcançada tanto a nível individual quanto coletivo.

Além disso, os diálogos apresentam a Teoria das Formas e a famosa Alegoria da Caverna, ambos já abordados por aqui, ilustrando a visão platônica sobre a realidade e o conhecimento.

Além desses, Platão assina a autoria de outros textos importantes para os campos filosóficos e de diversas outras áreas do conhecimento, como:

  • Timeu
  • Teeteto
  • Críton
  • Eutífron

Essas obras adicionais também são essenciais para a construção do perfil do filósofo e para a compreensão integral de quem foi Platão e o que ele defendia.

Qual a relação de Sócrates, Platão e Aristóteles?

A relação de Sócrates, Platão e Aristóteles se dá não apenas por meio de suas influências diretas, mas também pela forma como todos moldaram, expandiram e estabeleceram fundamentos inovadores para a humanidade

Os três filósofos contribuíram ativamente para o desenvolvimento da filosofia ocidental na Grécia Antiga, cada um com uma especificidade.

Sócrates: Platão: Aristóteles:
Visto como o fundador da filosofia ocidental ética e do método socrático, Sócrates enfatizava o questionamento constante e a busca pela verdade através do diálogo dialético.

Influenciou profundamente Platão, seu discípulo mais famoso.
Seguidor de Sócrates, Platão é conhecido por seus diálogos filosóficos que exploram uma diversificada agenda de temas, incluindo ética, política, epistemologia e metafísica.

Fundou a Academia de Atenas, uma das primeiras instituições de ensino superior do mundo ocidental - local que possibilitou o florescimento do pensamento platônico.
Discípulo de Platão, Aristóteles tem renome por sua vasta contribuição para a lógica, metafísica, ética, política, biologia e diversas outras áreas do conhecimento.
Divergiu do idealismo de Platão ao enfatizar uma abordagem mais empirista e sistemática para o estudo da natureza e do pensamento humano.

Dessa relação é necessário ainda destacar as divergências existentes entre mentor e discípulo, Sócrates e Aristóteles.

As principais divergências entre Aristóteles e Platão

Antes de assimilar os aspectos que distanciam Platão e Aristóteles, é recomendável a construção de uma consciência sobre aquilo que os aproxima.

Em suas investigações, Aristóteles parte de um mesmo problema característico a outras filosofias gregas desde o período pré-socrático: “como explicar a mudança?”, “como remetê-las a um elemento estável?”, “como compreender a instabilidade, visto a perspectiva de estabilidade ser essencial para explicar as mudanças e o mundo imediatamente real?”.

Para isso, assim como Platão, adota a dinâmica estruturante do dualismo e da concepção de dois mundos, porém não concebe essa organização de forma transcendente como seu mentor fazia, mas sim em caráter imanente.

Em outras palavras isso significa dizer que a Filosofia de Platão e a Filosofia de Aristóteles utilizam igualmente recursos dualistas para tentar compreender e explicar o Paradoxo de Parmênides, o qual afirma “só o ser é” e “o não-ser não é”.

Ou seja, ambos partem do mesmo problema, com uma solução que é estruturalmente análoga, entretanto apresentando resultados distintos. Veja:

Filosofia de Platão

Platão busca resolver a questão do ser, das mudanças e das instabilidades através da separação dualista de um “mundo sensível” e outro “inteligível”.

Para ele, o estabelecimento do “mundo das aparências” e o do “mundo das essências e ideias” solucionaria o dilema de Parmênides, representando uma passagem do ser para aquele do não-ser.

Assim, para Platão, o mundo da verdade (aquele das ideias e do intelecto) está acima e separado do mundo das mudanças e das instabilidades (mundo sensível), de tal forma que passar da existência instável para aquela essencial e absolutamente estável e imutável representa uma elevação, um ato de transcendência.

  • Platão: realidade dividida em duas. O mundo das ideias (mundo inteligível) e o mundo sensível (mundo material);
  • O mundo das ideias só seria alcançado através da razão, portanto, pelo intelecto - onde estaria o conhecimento verdadeiro e a essência das coisas;
  • O mundo sensível seria uma ilusão, algo falso, por ser apenas uma cópia imperfeita do mundo das ideias;
  • A percepção do mundo sensível daria-se através dos cinco sentidos humanos (tato, paladar, olfato, visão e audição). Entretanto, para Platão, esses sentidos seriam limitados e tendentes ao erro, não sendo confiáveis para alcançarem oconhecimento verdadeiro.
  • A passagem do mundo sensível para o inteligível representaria um ato de transcendência.

Filosofia de Aristóteles

Por outro lado, embora também dualista, Aristóteles pressupõe a não separação entre o mundo das ideias e o mundo sensível, sendo ambos parte da mesma realidade - a qual é feita de uma multiplicidade de coisas.

Para ele, a segregação dos dois mundos torna-se desnecessária e sem efeito à medida que representa uma fuga da realidade sensível e não uma solução. Isso porque o filósofo defende que é possível encontrar no mundo inteligível (das ideias), o qual pensa-se fazer existir para solucionar os desafios do mundo sensível (fático), problemas semelhantes aos característicos do mundo material.

Assim, Aristóteles considera que, a partir de uma avaliação aprofundada daquilo que Platão enunciou, é possível elencar diversas dificuldades insolúveis pertencentes à base da sua ideologia, dando à instituição do mundo das idéias uma definição mais problemática do que efetivamente uma solução.

Dificuldade 1:
Para cada ser sensível, há que haver no mundo das ideias um protótipo, um arquétipo. Aquilo que é a essência do objeto sensível e lhe confere realidade.
Nessa sistemática, pode-se supor que na criação de um objeto novo no plano material ele também seguirá o mesmo ritmo no mundo das ideias?

Sabendo que os arquétipos são eternos e imutáveis, não podendo surgir ou desaparecer, o questionamento e a separação dos dois mundos tornam-se infundadas, desestabilizando as Teorias de Platão sobre a divisão dos mundos sensível e inteligível.
Dificuldade 2:
Todas as coisas do mundo sensível estão em constante transformação e não são iguais em dois momentos distintos do tempo.

Consequentemente, se são diferentes, e muitas vezes completamente diferentes, será que a isso também correspondem diferenças essenciais e diferentes arquétipos no mundo das ideias?
Dificuldade 3:
Toda comparação para que se possa estabelecer uma analogia, semelhança, ou outro tipo de relação, supõe critérios. Se há uma comparação, ela é realizada em relação a alguma outra coisa.

Portanto, a comparação do objeto sensível e a do inteligível exige um critério, sendo este uma terceira realidade. Dessa forma, caso Platão estivesse correto, existiriam três mundos e não somente dois.



Nessa dinâmica, Aristóteles diz abordar as dificuldades citadas anteriormente para demonstrar a ineficiência da solução de Platão e como forma de pensar um dualismo que escape de tais percalços.

Diante disso, argumenta sobre a não duplicação dos mundos, sendo a realidade o “aqui e agora”.

Ou seja, o filósofo deixa de pensar em dois mundos distintos para focar nas duas maneiras de considerar o mesmo mundo - uma pela sensibilidade e outra pelo intelecto ou inteligibilidade, simbolizando a ruptura significativa com seu antecessor.

  • Aristóteles: Não há uma separação de mundo sensível e mundo inteligível, ambos são um só. O primeiro é ordenado pelo segundo através de recursos e sentidos intelectuais;
  • Aristóteles defende que a realidade desordenada ainda reserva o conhecimento, desde que o homem saiba aplicar à essa realidade as condições intelectuais que a tornam inteligível;
  • A essência das coisas encontra-se nas próprias coisas. Ou seja, na realidade habitada;
  • Os mundos se relacionam de uma forma imanente e não transcendente;
  • O conhecimento do mundo advém, inicialmente, dos sentidos, para, depois da experiência sensível, gerar ideias por meio do intelecto e da razão;
  • As ideias se revelavam depois das experiências da sensação.

Entenda também a relação de Platão e Sócrates com o pensador contemporâneo Foucault.

Quadro de Rafael Sanzio sobre a Escola de Atenas com Aristóteles e Platão.
No quadro “Escola de Atenas” de Rafael Sanzio é possível observar ao centro da tela a presença de Aristóteles e Platão. Enquanto o primeiro aponta para acima, fazendo uma alusão ao conhecimento das ideias, o segundo orienta sua mão para baixo como se priorizasse o conhecimento terreno. A pintura evidencia a marcante divergência entre os filósofos. (Fonte: domínio público)

Além de todas essas contribuições notáveis, a Platão também é reservada a autoria de inúmeras frases de efeito, que, embora muitas vezes sucintas, são perspicazes, reverberando em sentido e significado através dos tempos, como:

Cada coração canta uma canção, incompleta, até que outro coração sussurra de volta. Quem deseja cantar sempre encontra uma canção. Ao toque de um amante, todos se tornam poetas”.

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Guia Essencial da Filosofia: Pensamento Clássico

Um curso que apresenta o panorama da gênese do pensamento ocidental, a partir de um período que antecede o surgimento da filosofia, com os mitos e os épicos de Homero até Epicuro, passando também pelos pré-socráticos, o teatro grego, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Mais informações
Nascimento:
428/427 a.C. - 348/347 a.C.
Escolas
Platônica, Academia de Atenas
Abordagem:
Idealismo Platônico, Teoria das Ideias, Filosofia Política, Ética
Épocas:
Grécia Clássica

Perguntas frequentes

O que é a Casa do Saber+?

A Casa do Saber é uma plataforma de streaming com cursos de curta duração e conteúdo multidisciplinar. São mais de 300 conteúdos disponíveis em 9 áreas distintas do conhecimento, com grandes nomes da atualidade. Todos emitem certificados com horas. As aulas são gravadas. Você pode escolher quais cursos assistir, quando e quantas vezes quiser.

O acesso às aulas pode ser feito por meio do site ou do nosso aplicativo para Android e iPhone Casa do Saber+. Após 7 dias de assinatura você tem a chance de participar da nossa Comunidade no whatsapp com conteúdo exclusivo, materiais e aulas ao vivo com o professor escolhido daquele grupo. Para ter acesso ilimitado a todo conteúdo durante um ano, basta assinar o nosso serviço.Caso queira, você consegue dar uma olhadinha no nosso catálogo clicando aqui.

Quanto custa e como posso pagar?

Casa do Saber + possui hoje dois planos de acesso disponíveis: o plano anual e o bienal. O anual custa R$ 478,80 e o bienal R$ 790,80. A diferença entre os dois é o período de acesso: o plano anual confere acesso aos cursos da Casa por um ano; já o bienal, por dois anos.Quem preferir, pode contratar os planos com parcelamento no cartão de crédito em até 12x de R$ 39,90 e de R$ 65,90, respectivamente. Caso o comprador escolha assinar à vista no cartão de crédito, ainda possui 10% de desconto. Nessa opção, o plano anual custa no R$ 430,92 e o bienal, R$ 711,72.

Também temos a opção de pagamento à vista via pix ou boleto bancário.Em assinaturas via cartão de crédito, a renovação ocorre de forma automática após o final da vigência do ciclo da anuidade. No caso do plano anual, após um ano completo. Já o plano bienal renova após 24 meses do início da assinatura.

Como funciona a plataforma?

Ao assinar, você terá acesso a um catálogo com mais de 300 cursos e materiais complementares para escolher. Você poderá usufruir de todo o conteúdo sem nenhum custo adicional e sem limite de uso durante o período contratado.

Ao concluir os cursos, automaticamente será gerado o certificado pela própria plataforma. Se desejar, você pode assistir às aulas novamente. O acesso é de uso pessoal, mas você pode acessar através de diversos dispositivos.

É possível assistir através do aplicativo Casa do Saber+ (disponível para download na App Store e Play Store). Também é possível fazer o espelhamento direto para a sua Smart Tv ou escutar em segundo plano com a tela bloqueada (no carro, na academia, etc), como um podcast, além de baixar os cursos para assistir offline (em viagens de avião ou quando estiver sem dados móveis). 

Quanto tempo dura uma assinatura?

A assinatura tem vigência de um ano, com renovação automática ao fim do período contratado. Durante esse período, você terá acesso ilimitado ao nosso conteúdo. Poderá escolher quais aulas deseja assistir quantas vezes e onde quiser.