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Paulo Freire

Paulo Freire
Guilherme Peres

Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife em 19 de setembro de 1921, filho de um capitão da Polícia Militar de Pernambuco e no seio de uma família de classe média.

Quem foi Paulo Freire

Freire viveu uma infância marcada pela pobreza durante a Grande Depressão, o que moldou profundamente sua visão sobre a desigualdade e a opressão social. Essas experiências pessoais o levaram a desenvolver uma teoria pedagógica centrada na emancipação dos oprimidos e no papel transformador da educação.

Após se formar em Filosofia e Pedagogia na Universidade do Recife, Paulo Freire começou a trabalhar como professor de português e, em 1961, foi convidado a coordenar um projeto de alfabetização de adultos em Angicos, no Rio Grande do Norte. Esse projeto se tornou um marco em sua carreira e um exemplo de sua pedagogia inovadora.

Com um enfoque na realidade dos alunos, Freire utilizou temas relevantes da vida cotidiana, como as condições de trabalho e a vida no campo, para ensinar a leitura e a escrita. Em apenas 45 dias, 300 trabalhadores rurais aprenderam a ler e a escrever, um feito que desafiava as convenções tradicionais da educação.

A pedagogia de Paulo Freire

O método de Freire se baseava na ideia de que a alfabetização deveria ser um processo dialógico, onde professores e alunos aprendem mutuamente. Ele acreditava que a educação deveria ir além da mera transmissão de conhecimento; deveria fomentar a consciência crítica e a reflexão sobre a realidade social. Seu conceito de "consciência crítica" era fundamental para entender as opressões que os indivíduos enfrentavam e para capacitá-los a agir em prol de sua libertação.

Após o golpe militar de 1964, Freire foi preso e posteriormente exilado. Durante seu tempo no exterior, ele teve a oportunidade de levar suas ideias para diversos países, participando de conferências e colaborando com educadores de diferentes contextos. Freire trabalhou em programas de alfabetização em países como Chile e Guiné-Bissau, sempre enfatizando a importância da educação como uma ferramenta de transformação social.

Seu livro mais célebre, Pedagogia do Oprimido, publicado em 1970, oferece uma análise profunda de como os sistemas de opressão operam na educação e na sociedade. Nele, Freire critica a "educação bancária", onde o conhecimento é depositado nos alunos de forma unidirecional, e propõe uma pedagogia libertadora que empodera os marginalizados a se tornarem sujeitos de sua própria história. O texto foi traduzido para mais de 20 idiomas e se tornou um clássico da educação crítica, influenciando educadores, movimentos sociais e teóricos ao redor do mundo.

A obra de Freire continua a ressoar fortemente, especialmente em um momento em que as questões de desigualdade e opressão permanecem centrais no debate educacional. Ler Pedagogia do Oprimido é uma jornada instigante que nos convida a repensar o papel da educação na luta por justiça social. Conhecer Paulo Freire é abrir as portas para uma das reflexões mais impactantes sobre o poder transformador do conhecimento e a possibilidade de um mundo mais justo e igualitário.

foto de paulo freire gesticulando
Foto de Paulo Freire

A obra de Paulo Freire

Os principais livros de Paulo Freire incluem Educação como Prática da Liberdade (1967), onde ele introduz suas ideias sobre a educação crítica e a conscientização; Pedagogia do Oprimido (1970), sua obra mais célebre, que discute a opressão e propõe uma educação emancipadora; Pedagogia da Esperança (1994), que reflete sobre suas experiências e desafios na educação; e Pedagogia da Autonomia (1996), onde ele apresenta princípios para uma prática educativa que promova a autonomia e a reflexão crítica.

Além dessas, Freire também escreveu Cartas a Guiné-Bissau (1977), que documenta suas experiências na alfabetização e no contexto pós-colonial, e Ação Cultural para a Liberdade (1980), que aborda a relação entre cultura e educação na luta pela liberdade. Juntas, essas obras formam um legado poderoso que continua a influenciar educadores e movimentos sociais ao redor do mundo.

A obra de Paulo Freire é fundamental para a educação contemporânea, especialmente por sua abordagem crítica e transformadora. Com ênfase na conscientização e na autonomia dos educandos, Freire propôs uma educação que não apenas transmite conhecimento, mas também instiga a reflexão sobre a realidade social e política. Sua obra mais influente, Pedagogia do Oprimido, não só se tornou um marco na pedagogia crítica, mas também um manifesto em prol da justiça social.

Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido

Publicada em 1970, “Pedagogia do Oprimido” desafiou o modelo tradicional de ensino, propondo uma prática educativa dialógica e emancipatória. O conceito de "consciência crítica" é central em sua filosofia, pois permite que os alunos identifiquem e questionem as estruturas de opressão em suas vidas. Essa abordagem fez com que o livro se tornasse uma referência não apenas em cursos de formação de professores, mas também em movimentos sociais e em debates sobre educação em contextos de desigualdade.


A recepção da obra de Freire foi amplamente positiva, especialmente em contextos de luta por direitos e igualdade, mas sempre confrontada por opositores. Seus métodos foram adotados em diversas partes do mundo, influenciando educadores e ativistas em diferentes culturas. Ainda assim, enfrenta, ainda hoje, críticas e resistência, particularmente de setores conservadores que viam suas ideias como uma ameaça ao status quo.

A relevância do pensamento de Freire se mantém viva, especialmente em um mundo onde as desigualdades persistem e novas formas de opressão surgem. Sua obra continua a inspirar novas gerações a lutarem por uma educação que emancipe e capacite, reafirmando o papel da educação como um meio de transformação social. Ao conhecer a obra de Paulo Freire, abrimos portas para uma reflexão profunda sobre o papel do educador e do educando na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Oprimidos e opressores

A relação entre o que Freire chamou de oprimidos e opressores se instala na questão da humanização e desumanização, no sentido em que a desumanização é uma realidade histórica, factual, comprovável ao longo do tempo. A grande questão que se coloca é sobre a “outra viabilidade - a de sua humanização” (FREIRE, 2019, p.40).

Ambas as possibilidades estão no horizonte humano, visto que somos seres inconclusos, mas apenas a humanização é algo próximo de nossa vocação. Ela, por um lado, é afirmada na busca por liberdade e justiça (lembrando que buscamos algo justamente porque não temos aquilo que buscamos) e, por outro, negada na injustiça, na violência, na opressão, na exploração. O que caracteriza a humanização é essa vocação de ser mais, que é distorcida no processo de desumanização, é roubada, destituindo o outro de seu caminho de possibilidades de realização.

Essa condição não afeta apenas o oprimido, mas desumaniza também o opressor. Seria a revolta contra a própria condição o caminho para a recuperação (ou criação) da própria humanidade do oprimido, e também da restauração da humanidade do opressor. Numa perspectiva dialética, Freire sugere que o rompimento com uma lógica de dominação e exploração é o único caminho viável para a humanização - de um lado, pela organização dessa possibilidade de ser mais; de outro, por remover do opressor a prática que, ao desumanizar o outro, desumaniza também a ele mesmo.

“A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como ‘seres para si’, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos (...) Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos - libertar-se a si e aos opressores”. (FREIRE, 2019, p. 41)

O caminho, aponta Freire, não é apenas um de rompimento, mas um que deve partir do próprio oprimido, acompanhado de alguma generosidade que se manifesta exclusivamente na solidariedade com esse caminho de libertação. São esses oprimidos que realmente conhecem os efeitos da opressão e que devem compreender de fato a necessidade de livrarem-se dela. Ainda que soe como a tarefa árdua que é, ela se realizará pelo exercício da própria busca, começando pelo entendimento de sua urgência. Esse, ao fim e ao cabo, reflete Freire, é um ato de amor em direção a todos, tanto oprimidos, quanto opressores.

Essa “pedagogia do oprimido” é uma “descoberta crítica” que deve ser realizada apenas e tão somente pelos próprios oprimidos. Há, no entanto, um entrave que deve ser superado: a repetição de ciclos de opressão. Freire reconhece que, dentro da contradição em que vivem, o modelo de humanidade conhecido pelos oprimidos é aquele dos opressores e que existe o risco de não haver uma superação da contradição, mas que uma nova condição faça dos antigos oprimidos, novos opressores de outros, e que a transformação seja fruto de uma visão individualista, promovendo uma “revolução privada”.

“aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.” (FREIRE, 2019, p. 43).

Freire considera que a mentalidade que reproduz a opressão é uma prescrita, estrangeira ao oprimido e que ocupa o lugar de sua autonomia destituída. A superação da situação opressora se dá pelo reconhecimento crítico dessa situação, restituindo o horizonte de possibilidade de ser mais. E além: não apenas o ser mais de si, mas de todos.

Retomando Hegel e a relação entre senhor e servo, mas também o pensamento de Marx e Lukács, Freire avança no sentido de que a consciência da condição não basta para nenhum dos dois: é preciso que ambos se conciliem no esforço por transformá-la, inserindo-se criticamente nessa sociedade que proíbe ambos de serem efetivamente. Por isso não há libertação unilateral, apenas de todos em relação a todos - que Freire irá resumir na frase “os homens se libertam em comunhão”.

O que é a pedagogia do oprimido?

É na prática que a libertação se concretiza, não por meio de discursos sem prática, ou de prática sem reflexão crítica. E não é uma prática feita por, mas feita com. Esse aspecto é fundamental, pois, nesta relação, os oprimidos devem se reconhecer não apenas como tais, mas como sujeitos passíveis de mudança, “capazes de pensar certo também” (FREIRE, 2019, p. 73).

Essa tomada de consciência em direção à prática libertadora se dá por um diálogo que leve em consideração o contexto, a condição e o nível de percepção da realidade desses oprimidos. Pelo diálogo porque, do contrário, seja pela imposição, pela ideia pronta e deslocada, o que ocorre é, novamente, a desumanização, a objetificação dessas pessoas, que se tornam sujeitas a toda sorte de manipulação e propagandas que sustentam os regimes de alienação.

“Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica de ser mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do homem (...) Para isto, contudo, é preciso que creiamos nos homens oprimidos. Que os vejamos como capazes de pensar certo também. Se esta crença nos falha, abandonamos a ideia, ou não a temos, do diálogo, da reflexão, da comunicação e caímos nos slogans, nos comunicados, nos depósitos, no dirigismo. Esta é uma ameaça contida nas inautênticas adesões à causa da libertação dos homens. A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor” (FREIRE, 2019, p. 73).

A ação de libertação deve partir dos oprimidos porque sua intenção é de gerar independência. Ela não é uma doação, por mais bem-intencionada que possa ser, causando uma deformação da autonomia, ou uma tutela. Ela deve ser resultado da conscientização do oprimido a respeito de sua condição que, somada à crítica, leva à vontade de transformá-la. É disso que se trata considerar o oprimido como sujeito, não como objeto. Daí o que a manipulação e a propaganda não fazem: a inserção crítica na própria situação - a isto Freire chama de uma “pedagogia”, cuja prática não é instrumento de um educador que ilumina o outro:

“Desde o começo mesmo da luta pela humanização, pela superação da contradição opressor-oprimidos, é preciso que eles se convençam de que esta luta exige deles, a partir do momento em que a aceitam, a sua responsabilidade total. É que esta luta não se justifica apenas em que passem a ter liberdade para comer, mas ‘liberdade para criar e construir, para admirar e aventurar-se’, Tal liberdade requer que o indivíduo seja ativo e responsável, não um escravo nem uma peça bem-alimentada da máquina (...) É como homens que os oprimidos têm de lutar e não como ‘coisas’. É precisamente porque reduzidos a quase ‘coisas’, na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. Para reconstruir-se é importante que ultrapassem o estado de quase ‘coisas’ (...) A luta por esta reconstrução começa no autorreconhecimento de homens destruídos”. (FREIRE, 2019, p. 76)

Freire nos traz a ideia da intencionalidade da consciência - ela é um caminho para algo além dela mesma. A educação, seguindo este caminho, seria feita como “cointencionalidade”, educador e educandos engajados em direção à realidade com a intenção de identificá-la e conhecê-la criticamente, tornando-se capazes, daí, de refazê-la.

Pensamentos e frases de Paulo Freire: contra uma educação “bancária”

Frente a uma tendência de entender e reproduzir a educação como uma narração - o que transforma a realidade e a relação de educação em algo estanque -, Freire elabora a imagem do educador como um agente cuja missão é “encher” quem educa de retalhos desconexos do mundo.

Uma relação de depositante e depositários memorizadores e repetidores, “bancária”, em que a educação se resume a transferência, não elaboração. Fora da prática o horizonte possível não se concretiza pois, nessa dinâmica, inexistem a criatividade, a transformação e o saber que só são possíveis num cenário de movimento, de troca com o mundo e os semelhantes.

“Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.” (FREIRE, 2019, p. 81)

A superação se dá também por meio da relação: ambos, educadores e educandos, devem ocupar simultaneamente as duas posições. Ao considerar o educador como único detentor do saber e o educando como um repositório, aniquila-se a independência, a consciência crítica e a possibilidade de transformação do mundo decorrente de uma inserção destes sujeitos como seres autônomos. A passividade pressupõe adaptação, conformidade com uma realidade parcial que é transmitida. “Pensar autenticamente é perigoso”, alerta Freire, e essa concepção de educação faz dos homens autômatos, negando a vocação ontológica de ser mais.

A educação “bancária” remove da equação o elemento de junção, de equivalência, inerente ao processo de humanização que Freire julga ser essa vocação ontológica. Em última instância, separa o homem do mundo e reitera não uma lógica de participação, mas de desvinculação (o que, mais adiante, tem potencial para uma dinâmica de dominação e exploração). Isso afeta também a consciência, que deixa de ser algo intencional e relacional para se tornar um compartimento.

“Somente na comunicação tem sentido a vida humana”, diz Freire.

O pensar não pode acontecer no isolamento e a uns e outros é interessante que essa organização coletiva não aconteça. Recusar uma educação libertadora é uma doutrina de acomodação à opressão, à alienação:

“A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Exatamente porque não podemos aceitar a concepção mecânica da consciência, que a vê como algo vazio a ser enchido, um dos fundamentos implícitos na visão ‘bancária’ criticada, é que não podemos aceitar, também, que a ação libertadora se sirva das mesmas armas da dominação, isto é, da propaganda dos slogans, dos ‘depósitos’”. (FREIRE, 2019, p. 93)

A educação para Paulo Freire

Para Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Por isso, uma educação “bancária” não é libertadora e o novo termo a ser alcançado dentro da relação é de educadores-educandos com educadores-educandos. Essa dinâmica se baseia no diálogo, não mais com base em “argumentos de autoridade”, mas entre sujeitos do processo.

O conhecimento passa a existir, porque agora todos são de fato chamados a conhecer, inclusive o educador, ao refazer o trajeto de seu saber numa interação crítica de desvelamento da realidade - em vez de uma imersão, a busca por uma emersão “de que resulte sua inserção crítica na realidade”:

“A tendência, então, do educador-educando como dos educandos-educadores é estabelecerem uma forma autêntica de pensar e atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar este pensar da ação. A educação problematizadora se faz, assim, um um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se acham.” (FREIRE, 2019, p. 100)

Esta é apenas uma introdução às ideias de Paulo Freire. Em sua trajetória, frente às diferentes adversidades, Freire se tornou uma figura capaz de pensar formas alternativas de superação de algumas contradições que permanecem gritantes no Brasil e no restante do mundo - que tende a ser mais aberto e receptivo às suas ideias.

É importante que se faça o convite à leitura, ao contato com a obra de Freire e, como ele mesmo propôs, ao diálogo crítico a respeito da relação destas ideias com o mundo em que vivemos. É um convite à autonomia e à liberdade que muitas vezes tolhemos na tentativa de alcançá-las.


Referências

FREIRE, P.. Pedagogia do Oprimido. Paz & Terra, 2019.








Mais informações
Nascimento:
1921 - 1997
Escolas
Pedagogia Crítica, Educação Popular,
Abordagem:
Pedagogia do Oprimido, Educação Libertadora
Épocas:

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