Neste artigo, vamos observar os conceitos fundamentais de Melanie Klein, além disso, traçaremos um panorama sobre sua vida e obra, proporcionando um contexto histórico e intelectual para suas teorias. Acompanhe nossa abordagem para se familiarizar com os seguintes pontos:
- Quem foi Melanie Klein?
- Em que contexto histórico viveu
- Suas contribuições à psicanálise infantil
- Como aprender mais sobre Klein
Quem foi Melanie Klein?
Melanie Klein nasceu em 30 de março 1882 na cidade de Viena em uma família judia. Foi a quarta filha de um clínico geral e de uma mãe muito culta, que não a desejavam muito. Sua mãe possuía uma personalidade tirânica, possessiva e destruidora. Klein tinha o desejo de ser psiquiatra e por dificuldades financeiras de sua família precisou renunciar sua aspiração à medicina, tendo estudado arte e história na Universidade de Viena.
Se casou com o engenheiro Arthur Klein em 1903, com quem teve três filhos: Melitta, Hans e Erich. Em 1910 se muda para Budapeste e descobre a obra de Freud . No ano de 1914 iniciou seu processo de análise com Sándor Ferenczi e participou das atividades da Sociedade Psicanalítica de Budapeste (SPB), onde se tornou membro posteriormente, em 1919.
Klein teve uma vida marcada por muitos lutos. Sua irmã morreu ainda na infância e seu irmão Emmanuel quando ela tinha 20 anos. Seu pai desapareceu quando ela tinha 18 anos, e seu filho, Hans, morreu quando ela tinha 52 anos.
Seu artigo “Luto e suas Relações com os Estados Maníaco-Depressivos” , publicado em 1940, é uma contribuição vital para a compreensão dos processos de perda e luto. Fruto de muitos anos de profunda reflexão e estudo, o trabalho se tornou uma referência essencial na psicanálise.
Um outro ponto de conflito em sua vida foi o relacionamento com Melitta, sua filha, que seguiu os passos da mãe e também se tornou psicanalista. A relação de ambas foi marcada por grandes diferenças teóricas, tendo Melitta criticado abertamente as teorias da mãe, colocando-as em campos teóricos rivais, o que intensificou ainda mais o mal-estar entre as duas até chegar ao ponto de uma separação teórica e também pessoal.
Klein assistiu Freud pela primeira vez no V Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA) , tendo escutado o fundador da psicanálise ler o artigo “Os novos caminhos da terapêutica psicanalítica”. Esse fato fez com que ela se engajasse na psicanálise e, na sequência, ela se filiou à SPB.
Ferenczi incentivou Klein a apresentar seu primeiro estudo de caso na SPB em julho de 1919. O caso se tratava da análise de uma criança de cinco anos que, na verdade, era Erich, seu filho, tendo chamado a criança de Fritz para proteger a sua identidade.“O Caso Fritz” é uma importante contribuição da psicanalista para se pensar o desenvolvimento da criança.
Com a ascensão do anti-semitismo, Klein deixou a capital húngara em 1920 e partiu para o exílio. Em 1921 se instalou em Berlim e, após um ano, se tornou membro da Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG).
Melanie Klein versus Anna Freud
Em 1924 inicia sua segunda análise, agora com Karl Abraham. Nessa análise começa a elaborar ideias para desenvolver suas próprias perspectivas sobre o desenvolvimento sexual . No VIII Congresso da IPA, em Salzburgo, apresentou um artigo sobre a psicanálise de crianças, onde já questionava certos aspectos do complexo de édipo . No mesmo ano foi a Viena, no Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), fazer uma apresentação sobre a psicanálise de crianças e ali se confrontou diretamente com Anna Freud.
Klein e Anna tinham compreensões distintas sobre as teorias do desenvolvimento infantil e das relações de objeto. O conflito se originou porque Anna defendia que a análise de crianças muito pequenas era impraticável, enquanto Klein trabalhou em formas para analisar crianças pequenas por meio de jogos e desenhos.
Para Anna Freud, o debate sobre a psicanálise infantil representava uma nova e aprimorada abordagem pedagógica, enquanto para Melanie Klein era uma oportunidade de explorar profundamente o funcionamento psíquico desde os primeiros momentos de vida . Klein e Anna Freud também divergiam em relação à abordagem temporal proposta por Freud no conceito do complexo de Édipo .
Em 1929 iniciou o tratamento de uma criança de quatro anos, hipoteticamente autista, e que posteriormente viria a ser o seu famoso Caso Dick . Em 1932 publicou sua primeira obra síntese, “A Psicanálise de Crianças”, onde iniciou o desenvolvimento de alguns dos seus importantes conceitos como o de posição esquizo-paranóide e posição depressiva.
Os anos 1941 a 1945 foram marcados pelo período das grandes controvérsias , onde o principal conflito girava em torno dasdiferenças teóricas entre os seguidores de Melanie Klein e os seguidores de Anna Freud. Klein defendia que as crianças poderiam ser analisadas de forma semelhante aos adultos, interpretando diretamente suas fantasias e ansiedades. Em contrapartida, Anna Freud promovia uma abordagem mais gradual, ajustando as técnicas psicanalíticas às necessidades e capacidades específicas das crianças.
Em 1955 em Genebra, no congresso da IPA, Klein apresentou seu estudo sobre a inveja e a ingratidão , articulando o conceito de pulsão de morte . Isso gerou um novo conflito o qual Winnicott rompeu com ela. Em 1957 publicou uma de suas obras mais famosas, “Inveja e Gratidão” .
Em 22 de setembro de 1960, Melanie Klein faleceu em Londres em decorrência de um câncer no cólon. Seu legado, imortalizado em suas contribuições inovadoras para a psicanálise, continua a influenciar e enriquecer o campo psicanalítico até os dias atuais.
Em que contexto histórico viveu Melanie Klein
Melanie Klein viveu em uma época de grandes eventos históricos que moldaram tanto a sua vida pessoal quanto a sua carreira profissional. Ela testemunhou a Primeira e Segunda Guerra Mundial , contextos que influenciaram profundamente seu trabalho na psicanálise.
Iniciando sua jornada psicanalítica durante a Primeira Guerra Mundial, Klein encontrou um campo em crescimento, especialmente no período entre guerras, quando a psicanálise começou a se expandir além de Viena para cidades como Berlim e Londres. Essa expansão global proporcionou a Klein novas oportunidades para desenvolver e compartilhar suas teorias.
Após o término da Segunda Guerra Mundial, Klein continuou a contribuir significativamente para a psicanálise, culminando na publicação de sua obra seminal,“Inveja e Gratidão” , em 1957, um texto que solidificou seu legado e impactou profundamente o campo psicanalítico
Enfrentando os desafios de sua época, Melanie Klein marcou profundamente a psicanálise. Suas inovações, tanto teóricas quanto clínicas, ampliaram significativamente a compreensão da análise infantil e introduziram novas abordagens na teoria psicanalítica. As contribuições de Klein, de longo alcance, continuam a influenciar e inspirar gerações de psicanalistas e acadêmicos em todo o mundo, assegurando-lhe um lugar de destaque na história da psicanálise.
Contribuições de Melanie Klein à Psicanálise Infantil
Melanie Klein articulou e formulou conceitos que redefiniram a teoria e a prática psicanalítica com crianças. Entre as principais ideias de Klein podemos destacar: Análise do Brincar, Relações Objetais Primárias, Posições Esquizo-Paranoide e Depressiva , Identificação Projetiva e Teoria da Inveja e Gratidão . Ela adaptou as técnicas freudianas para a condução do tratamento de crianças destacando o brincar como uma maneira do inconsciente da criança se manifestar.
Análise do Brincar | Para Melanie o brincar das crianças é semelhante aos sonhos e a associação livre (falar o que vier à cabeça livremente e de forma espontânea no setting analítico) dos adultos, conforme postulou Freud, sendo uma via de acesso ao inconsciente. Ela sustentava que as atividades lúdicas infantis permitiam o psicanalista a interpretar os processos inconscientesdas crianças. Nas sessões, Melanie dava brinquedos e materiais que permitiam às crianças manifestarem suas fantasias e seus desejos inconscientes. Durante o brincar da criança, a posição do analista era de fazer a interpretações que conduziam as crianças a elaborarem seus conflitos. |
Relações Objetais Primárias | Destacando a relevância das interações emocionais iniciais entre a criança e seus cuidadores, especialmente a mãe, essas relações objetais primárias são essenciais para o desenvolvimento psíquico . Elas desempenham um papel fundamental na formação do indivíduo. A figura materna representa o objeto primário mais crucial na vida de um bebê. A mãe, especialmente através do seio materno, é o primeiro foco de amor e cuidado, sendo vital para a sobrevivência física e emocional do bebê. Klein considerava a amamentação como mais do que uma simples função alimentícia; ela via essa experiência inicial como um momento essencial de interação entre mãe e filho , que estabelece a base e estrutura para todas as futuras relações objetais. |
Posição Esquizo-Paranoide | Este é um conceito central na teoria psicanalítica de Melanie Klein, descrevendo um estágio inicial crucial no desenvolvimento infantil. A posição esquizo-paranoide ocorre nos primeiros meses de vida do bebê e é caracterizada por uma divisão do mundo em objetos bons e maus . Por exemplo, o seio materno é percebido como totalmente bom quando satisfaz as necessidades do bebê e é completamente mau quando não o faz. Durante essa fase, o bebê utiliza mecanismos de projeção e introjeção : projeta sentimentos agressivos e destrutivos nos objetos percebidos como maus e introjeta as qualidades positivas dos objetos bons. A projeção permite que o bebê externalize suas ansiedades e agressões, enquanto a introjeção facilita a internalização de traços positivos, formando a estruturação do aparelho psíquico. Esse estágio é fundamental para a compreensão das relações objetais iniciais |
Posição Depressiva | A posição depressiva é um estágio nas relações objetais que ocorre após a posição paranóide, começando por volta dos quatro meses de idade e se desenvolvendo ao longo do primeiro ano. Embora possa aparecer na infância e ressurgir na vida adulta, especialmente durante o luto e em estados depressivos, este estágio é crucial para o desenvolvimento emocional. Nesta fase, a criança começa a perceber a mãe como um objeto completo, e a divisão entre "bom" e "mau" objeto se enfraquece, pois as pulsões de amor e hostilidade se dirigem ao mesmo objeto. A angústia depressiva surge do medo de destruir e perder a mãe devido aos próprios impulsos agressivos da criança. Para lidar com essa angústia, a criança utiliza várias defesas, como a reparação e a inibição da agressividade. A superação dessa fase ocorre quando a imagem da mãe é internalizada de maneira estável e tranquilizadora. |
Identificação Projetiva | A identificação projetiva é uma forma específica de projeção e identificação, onde uma pessoa projeta partes de si mesma em outra pessoa com a intenção de controlar ou prejudicar. Esse conceito foi introduzido por Melanie Klein em sua comunicação intitulada "Notas sobre alguns mecanismos esquizóides". Klein associou esse mecanismo ao sadismo infantil , explicando que a criança não deseja apenas destruir a mãe, mas também tomar posse dela, caracterizando uma relação objetal agressiva. |
Teoria da Inveja e Gratidão | A inveja, conforme descrita por Melanie Klein, é um sentimento primário e inconsciente de cobiça direcionado a um objeto que se deseja destruir ou prejudicar. Este sentimento surge logo após o nascimento, inicialmente focado no seio materno , que representa a fonte primordial de nutrição e conforto. Na posição esquizo-paranoide, a inveja leva o bebê a atacar o objeto bom, como o seio materno, transformando-o em um objeto mau. Essa transformação atua como um mecanismo de defesa, permitindo que o bebê projete sentimentos negativos no objeto de desejo para aliviar sua própria angústia e frustração. Já na posição depressiva, a inveja pode continuar a emergir, mas agora está mesclada com sentimentos de culpa e a necessidade de reparação. A criança percebe que seus ataques invejosos podem danificar o objeto amado, resultando em um desejo de reparação e proteção do objeto bom. |
Revisão do Complexo de édipo | Contrapondo o que Freud sustentava, Klein argumentou, mesmo sob muitas críticas, que os elementos essenciais do Complexo de Édipo e do desenvolvimento do supereu surgem muito mais precocemente do que a teoria freudiana tradicional sugeria. Ela argumentou que, desde os primeiros estágios de vida, a criança experimenta sentimentos edípicos e começam a desenvolver seu supereu. |
Como aprender mais sobre Melanie Klein
Melanie Klein produziu diversas obras significativas que são essenciais para a psicanálise, particularmente no domínio da psicanálise infantil. A seguir, estão alguns de seus principais trabalhos:
Este é um dos textos mais conhecidos de Klein, onde ela detalha suas abordagens e técnicas na psicanálise infantil, incluindo a importância do jogo na terapia com crianças.
Melanie examina que a experiência do luto pode exacerbar ou precipitar estados emocionais extremos.
Este trabalho aborda como a inveja pode levar a agressões contra o objeto amado, enquanto a gratidão emerge como resposta à reparação emocional.
Klein explora os temas do amor, culpa e processos de reparação, oferecendo uma compreensão do papel da reparação, onde a culpa é enfrentada por tentativas de corrigir os danos causados aos objetos amados.
Esse texto oferece uma visão detalhada sobre mecanismos esquizoides, abordando questões relacionadas à identidade e ao funcionamento psíquico.
Uma outra forma de se aprofundar na teoria de Melanie Klein e compreender melhor suas contribuições é investindo em cursos de alta qualidade, oferecidos por fontes confiáveis e ministrados por especialistas no assunto.
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- Melanie Klein: Psicanálise, Infância e Formação Humana
- Melanie Klein e a Refundação do Eu: Desenvolvimento Psíquico e a Teoria das Posições
- Freud, Klein, Winnicott e o Método de Tratamento Psicanalítico
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Referências Bibliográficas
LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
KLEIN, Melanie. Autobiografia Comentada (1882-1960). Organizador: Alexandre Socha. São Paulo: Blucher, 2019.
ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: O Legado de Freud e Lacan, Rio de Janeiro: Zahar, 1996.